O setor agrícola global está em um dilema: como alimentar quase 10 bilhões de pessoas até 2050 com menos impacto ambiental? A resposta para essa questão urgente, como sugere uma nova pesquisa, pode estar escondida na imensa biodiversidade brasileira.
Um estudo recente, fruto da parceria entre a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Embrapa Meio Ambiente (SP) e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), revelou o potencial de um microrganismo isolado de uma planta medicinal tropical.
O foco da pesquisa está nos fungos endofíticos, microrganismos que vivem harmoniosamente dentro dos tecidos vegetais, sem causar doenças. Pelo contrário: eles agem como guardiões químicos naturais da planta, produzindo substâncias que a protegem contra herbívoros e patógenos.
Essa “farmácia natural” é a grande promessa para o futuro do campo. Com a crescente resistência de pragas e doenças aos pesticidas químicos sintéticos, há uma demanda urgente por bioinsumos — soluções biológicas que sejam eficazes no combate, mas que reduzam os impactos ambientais e os riscos à saúde.
O fungo estudado, da família Fusarium, foi isolado de uma planta do gênero Piper e coletado em Minas Gerais. Embora a família Fusarium seja complexa, a amostra se destacou por sua notável capacidade de produzir compostos promissores.
A descoberta, que representa uma nova fronteira para os defensivos agrícolas, é vista pelo professor Luiz Henrique Rosa, da UFMG como o início de um processo que pode culminar em novos herbicidas e fungicidas comerciais.
O poder de um novo composto
A equipe de cientistas conseguiu identificar substâncias potentes com ação herbicida (contra ervas daninhas) e antifúngica (contra doenças). Entre elas, foi isolada uma molécula inédita para a ciência, batizada como composto “2”.
Em testes iniciais, esse novo composto de origem natural demonstrou um desempenho impressionante. Sua eficácia foi comparável e, em alguns casos, superior à de alguns pesticidas sintéticos já comercializados, como glifosato e clomazona.
No controle de ervas daninhas, ele inibiu totalmente a germinação de sementes, rivalizando com herbicidas químicos conhecidos.
Na proteção contra doenças, ele se destacou contra um patógeno agrícola, superando a eficácia de alguns fungicidas naturais usados como referência.
Como explica a pesquisadora Sonia Queiroz, da Embrapa Meio Ambiente, esses resultados colocam os metabólitos de fungos endofíticos na vanguarda, capazes de unir a eficácia necessária no campo com a sustentabilidade.
Da floresta para o mercado
A pesquisa reforça o Brasil como um dos maiores patrimônios científicos do planeta. Florestas tropicais e biomas, como o Cerrado, abrigam um universo de microrganismos ainda inexplorados que podem gerar soluções para agricultura, saúde e indústria.
O trabalho com o fungo Fusarium é apenas o ponto de partida. Para que essa descoberta se transforme em produtos que cheguem às lavouras, são necessárias etapas adicionais, como estudos de segurança ambiental e toxicológica.
No entanto, o horizonte é claro. Os resultados iniciais abrem caminho para:
- Testes de campo dos compostos em condições reais.
- Novas formulações comerciais de defensivos biológicos.
- Usos diferenciados, como o estímulo ao crescimento vegetal em baixas doses.
A comunidade científica conclui que estamos diante de uma fronteira de inovação em que microrganismos invisíveis, oriundos da nossa biodiversidade, se posicionam como aliados estratégicos para garantir a segurança alimentar global de forma mais verde e eficiente.

