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Contra perda R$ 80 bi por ano, Brasil precisa diversificar matriz energética, diz economista

Contra perda R$ 80 bi por ano, Brasil precisa diversificar matriz energética, diz economista

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Pedro Vilas Boas, Especial para o Gigante 163

Tema controverso, o Brasil deveria acabar com a dependência de hidroeletricidade para não desperdiçar dinheiro do Produto Interno Bruto (PIB). Esse é o alerta do economista Bráulio Borges, da LCA Consultores e Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), que calculou uma perda, em média, de R$ 80 bilhões por ano por causa da falta de chuvas.

“A gente precisa diversificar (fontes de energia), e para já. Não pode ser ao longo de dez anos, 15 anos. Pelas projeções dos climatologistas, vai chover ainda menos no Brasil nas próximas décadas”, diz.

Quase metade da energia produzida no Brasil vem de fontes renováveis. A maior parte é produzida em usinas hidrelétricas, mas nos últimos anos, a geração de energia eólica, produzida pelo vento, e a solar vem ganhando destaques.

Durante a entrevista, Borges também falou da importância do agronegócio derrubar a “barreira reputacional” que está levantada contra o setor por meio de alternativas viáveis ao alcance dos produtores.

“O agronegócio pode ganhar muito com a preservação e participando ativamente do mercado de crédito de carbono, preservando floresta. Não é só por uma questão moral, de preservar o meio ambiente, mas podemos monetizar isso.”

Confira abaixo a entrevista na íntegra com o economista Bráulio Borges:

Gigante 163: Quais fatores mais incentivaram a desidratação do PIB?

Bráulio Borges: Uma série de fatores explicam essa década perdida que o Brasil teve. Tem desde o ambiente internacional, que mudou muito, o supercircuito de commodities que acabou em 2012, erros de política econômica aqui dentro, discussão sobre Nova Matriz [medidas econômicas no governo Dilma Rousseff (PT)], e por aí vai.

O que eu trouxe de novo nesse meu estudo é uma coisa que era menosprezada, ignorada, que foi o papel da falta de chuvas. Desde 2012, no Brasil, tem chovido muito abaixo da média histórica. Se pegar esse período de dez anos, choveu 17% a menos do que a média histórica. Isso tem um custo muito grande para a economia brasileira, porque o Brasil é uma economia onde a água é muito importante, principalmente porque a matriz elétrica ainda é majoritariamente hidroelétrica.

E tem o peso do agronegócio. Não só a agricultura e pecuária, mas a gente pega as agroindústrias, maquinária agrícola, serviços associados ao agronegócio. A economia brasileira é altamente dependente da água. E tem outros elementos que são menores, mas a gente não pode deixar de mencionar. Quando tem seca, isso prejudica algumas hidrovias, afeta o turismo em algumas regiões que dependem de reservatórios cheios para atrair pessoas.

Então tem uma série de fatores, mas os dois principais são o peso da hidroeletricidade e o agronegócio, que tem um peso muito forte no PIB brasileiro. O agronegócio continuou crescendo na última década, mas poderia ter crescido muito mais sem a falta de chuvas. A falta de chuvas encarece o preço da energia elétrica para toda a sociedade, e isso, obviamente, prejudica a renda das famílias, encarece o custo de produção.

Gigante 163: O que, segundo seu estudo, poderia ter sido feito pelo Estado para minimizar esse desperdício de produção?

Bráulio: Acho que a lição principal que sai é que precisamos, rapidamente, diminuir a nossa dependência da hidroeletricidade. O Brasil tem, hoje, 60% da matriz elétrica dependendo de hidrelétrica. A gente precisa diversificar, e para já, não pode ser ao longo de dez anos, 15 anos. Pelas projeções dos climatologistas, vai chover ainda menos no Brasil nas próximas décadas.

Então, dada a perspectiva, a principal resposta em forma de política pública, econômica, seria diminuir a nossa dependência em hidroeletricidade. Isso já está acontecendo principalmente com o desenvolvimento da energia eólica e fotovoltaica. Mas a minha impressão é que precisa ser mais rápido, se a gente quiser tirar essa trava da frente e ter uma energia elétrica, não digo barata, mas pelo menos não subindo como aconteceu nos últimos dez anos.

Agora, o governo precisa de planejamento. O setor elétrico é um setor altamente regulado. Embora tenha um mercado livre, ativo, é altamente regulado. A gente não pode dispensar a política pública para poder acelerar essa transição, mesmo que essa política pública não envolva subsídio, já que essas fontes de energia são altamente competitivas.

Gigante 163: Quais as consequências práticas desse desperdício de produção para o País?

Bráulio: Cheguei à conclusão de que essa falta de chuva custou para o Brasil, em média, R$ 80 bilhões por ano. É um impacto acumulado de quase 10% do PIB que a gente projeta para este ano de 2021 no Brasil. Então, a gente precisa reagir a isso para, pelo menos, não digo ter um milagre do crescimento nos próximos dez anos, mas evitar uma segunda década perdida.

Uma outra indicação importante é a gente entender melhor por que está chovendo menos. Isso é por conta de questões climáticas que o Brasil não tem controle, ou depende de uma política ambiental doméstica, por exemplo, associada à derrubada da Amazônia? Eu não sei te responder isso, mas a gente precisa ter uma resposta clara e fazer com que a política pública caminhe nessa direção de minimizar o problema.

Muitas vezes a gente enxerga essa questão da transição energética, da resposta à mudança climática, como um custo, mas isso pode fazer com que a gente perca oportunidades para o Brasil. Por exemplo, o mercado de crédito de carbono. É algo que está se desenvolvendo muito nos últimos anos e, hoje, já é rentável no Brasil. Tem gente que está realmente ganhando bastante dinheiro com isso e mantém a floresta de pé, ajuda a evitar as emissões de gases de efeito estufa. Essas questões de mudanças climáticas e degradação ambiental poderiam estar sendo exploradas, inclusive, pelo agronegócio.

Gigante 163: O agronegócio representa uma fatia significativa do PIB brasileiro. O que esse setor pode fazer a partir de agora para evitar essa continuidade de perda?

Bráulio: Precisa mudar primeiramente a política ambiental que o Brasil adotou nos últimos três anos. É uma política ambiental muito malvista no cenário internacional. Vemos agora o crescimento da chamada “barreira reputacional”. Antes tínhamos as barreiras sanitária, alfandegária, enfim. E agora está crescendo a reputacional. Vários mercados europeus estão barrando carne brasileira por ser oriunda de regiões de desmatamento ilegal.

Então, é fato que precisamos mudar a política ambiental, porque isso está manchando a imagem do Brasil no exterior, e isso prejudica o agronegócio, que se preocupa com o exterior. Para eles, infelizmente, tanto faz se existe o agronegócio que se preocupa com isso, e tem outro que não se preocupa; todo mundo está no mesmo bolo, justamente por essa imagem negativa que tem sido feita em relação ao Brasil.

O próprio agronegócio pode reagir a isso, aproveitando oportunidades, como a questão da bioenergia, biomassa, energia do etanol, que são promissores. O agronegócio pode ganhar muito com a preservação e participando ativamente do mercado de crédito de carbono, preservando floresta. Não é só por uma questão moral, de preservar o meio ambiente, mas podemos monetizar isso.

Gigante 163: Levando em consideração que governos e os outros agentes envolvidos nessa discussão adotem suas sugestões, é possível estimar um prazo para que esse crescimento aconteça significativamente?

Bráulio: É muito difícil estimar um prazo. A COP26 trouxe diretrizes mais claras para o desenvolvimento do crédito global. O Brasil, obviamente, tem muito a ganhar com isso, inclusive o agronegócio. Não consigo te dar um prazo, até porque isso vai depender de muitos detalhes.

Gigante 163: Por que essa falta de chuvas foi ignorada pelos agentes envolvidos na discussão, como o senhor mesmo destaca?

Bráulio: A gente começou a ver essa falta de chuvas lá em 2012, 2014, mas achou que era esporádica, uma hora voltava. Só que se passaram dez anos, e não voltou. E, como te disse, as projeções climáticas apontam que vai piorar. Então, acho que essa questão foi muito menosprezada, justamente por causa dessa expectativa de reversão. O setor elétrico brasileiro é planejado dessa maneira. Como a gente tem uma dependência muito grande, o sistema é planejado de forma para que as chuvas voltem à média histórica. Só que essa expectativa se mostrou equivocada.

Gigante 163: O que pesou mais em seu cálculo: a produtividade da atividade agrícola ou a energia mais cara?

Bráulio: Eu não cheguei a fazer essa distinção entre esses dois impactos, mas eu diria que eles têm peso bastante próximo. Por exemplo, o PIB da agropecuária, segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], nos anos de 2002 a 2011 – quando tivemos chuva abundante – cresceu cerca de 4% ao ano. Na década seguinte, de falta de chuva, o PIB da agropecuária cresceu, em média, 2,5% ao ano. Então, isso aconteceu mesmo o Brasil tendo muitos recursos naturais, demandas pelos produtos. Não estou dizendo que essa perca foi exclusivamente por causa da falta de chuvas, mas dá para ter uma ideia.