A preservação do Cerrado vai além do controle das emissões de gases de efeito estufa. É preciso dar atenção ao papel do bioma na produção de água, alimentos e outros serviços ecossistêmicos. O alerta foi feito por Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), durante o 11° Encontro dos Povos do Cerrado, em Brasília.
Segundo a especialista, o Cerrado é fundamental para o Brasil e para a biodiversidade global, apesar de ainda sofrer com o avanço do desmatamento. O bioma, inclusive, permanece sub-representado nas políticas nacionais e na agenda climática internacional.
“O desmatamento do Cerrado vai além do carbono. Precisamos situar o bioma no contexto nacional e compreender que a população brasileira depende da água e da comida que são produzidas nele”, destacou.
A esperança é que na COP 30, que acontece em Belém, em novembro, e que vai trazer 0Amazônia para o centro do debate climático mundial, o Cerrado também seja lembrado.
“Espero que a gente consiga mostrar na COP que a sociedade quer algo diferente. Acho que essa é a mensagem mais poderosa de Belém. Temos que nos preparar como pessoas do Cerrado, como pessoas da savana, para que isso aconteça. Precisamos trabalhar bem a mensagem de que o bioma é fundamental para o Brasil”, completou Alencar.
Perdas
Desde 1985, o Cerrado perdeu 40 milhões de hectares de vegetação nativa, o que o torna um dos principais vetores das emissões brasileiras de gases de efeito estufa, segundo dados da Rede MapBiomas. As áreas rurais privadas concentraram 72% de todo o desmatamento no período e já acumulam mais de 14 milhões de hectares de pastagens degradadas, um indicativo de uso pouco eficiente da terra.
No mesmo período, quase metade do bioma, mais de 89 milhões de hectares, foi queimada pelo menos uma vez. Somente em 2024, o fogo atingiu 9,7 milhões de hectares, uma área superior à do estado de Santa Catarina. Em 2025, no início do período de incêndios, 1,2 milhão de hectares já haviam sido queimados. O uso recorrente do fogo em propriedades privadas é responsável por 58% da área queimada.
Justiça climática
Para Samuel Caetano, coordenador técnico do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, é fundamental que os povos e as comunidades sejam ouvidos e incluídos nas tomadas de decisão que afetam seus territórios. Segundo ele, não há como falar de justiça climática sem falar de justiça territorial.
O avanço do desmatamento tem afetado cada vez mais territórios indígenas e quilombolas, que sofrem com grilagem, invasão de terras e conflitos por água. Em 2024, áreas protegidas do bioma perderam 26,97 mil hectares de vegetação nativa, de acordo com o Relatório Anual do Desmatamento.