Por André Garcia
Repetidos episódios de fogo, mesmo quando controlados, provocam perda de biodiversidade, reduzem o carbono armazenado nas árvores e tornam a vegetação da Floresta Amazônica mais vulnerável a secas e novas queimadas. É o que mostra um estudo conduzido pelo IPAM e publicado na última edição da revista científica Environmental Research Letters.
Os resultados foram obtidos após 12 anos de experimento na Fazenda Tanguro, em Querência (MT), e lançam um alerta sobre os riscos da recorrência do fogo em áreas florestais próximas ao campo produtivo, especialmente na zona de transição entre Amazônia e Cerrado.
“Nossos resultados reforçam a noção de que as florestas são resilientes a queimadas de baixa frequência, mas evidenciam o longo período de recuperação exigido após incêndios intensos e distúrbios secundários”, dizem os pesquisadores em trecho do estudo.
Os pesquisadores simularam diferentes cenários de queimadas em 24 parcelas de floresta intacta: sem fogo, com um incêndio único, com dois incêndios e com dois incêndios intensificados pela adição de material combustível seco. Os efeitos começaram a aparecer já em 2014, um ano após o primeiro episódio de fogo aplicado.
A partir de 2016, quando foi realizada a segunda queimada, o impacto se intensificou e houve aumento expressivo na mortalidade de árvores, além de mudanças graduais na composição de espécies. A área que sofreu duas queimadas com intensidade aumentada também perdeu cerca de 13% do carbono armazenado acima do solo.
Floresta comprometida
Outra constatação que pode ampliar a vulnerabilidade da floresta ao longo do tempo é que regeneração após o fogo tende a ser dominada por espécies pioneiras de crescimento rápido e madeira leve, que, segundo os autores, são mais suscetíveis a secas e incêndios futuros.
“Embora a resiliência florestal em nosso estudo possa ser considerada alta, a recuperação tende a começar pelo recrutamento de espécies pioneiras de crescimento rápido, com casca relativamente fina e madeira de baixa densidade o que pode tornar essas árvores vulneráveis a futuros eventos”, dizem.
Na prática, isso significa que a floresta passa a ter menos capacidade de regular o microclima local, reter umidade e manter ciclos naturais de nutrientes. Desta forma, a vegetação nativa também deixa de exercer sua função de regulação hídrica e climática, fatores indispensáveis para a produtividade no campo.
Projeções para o futuro
Neste cenário, a produtividade da floresta — medida pela biomassa acumulada ao longo do tempo, caiu nos anos seguintes, levando quase uma década para se estabilizar. Vale destacar que a área experimental do estudo não possuía bordas expostas, como no caso de estradas, pastagens ou lavouras, o que pode ter favorecido o prazo de recuperação.
“Os efeitos de borda agravam ainda mais a severidade dos incêndios; estudos anteriores na região mostraram que incêndios nas bordas da floresta — onde as condições são mais secas e quentes — podem matar até 90% das árvores após queimadas repetidas, muito mais do que no interior da floresta.”
Isso deixa as projeções para o futuro da região são preocupantes. Segundo os autores, até 16% das florestas do sudeste da Amazônia poderão ser afetadas por incêndios nas próximas décadas, especialmente em zonas de transição com o Cerrado, onde há maior concentração de vegetação seca e material combustível.
“Mudanças climáticas e alterações na composição das espécies, representam desafios significativos para a resiliência e a saúde das florestas tropicais. Manter os principais serviços ecossistêmicos fornecidos por essas florestas exige medidas urgentes de conservação e mitigação dos impactos do fogo”, concluem.
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