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Crise climática destrói alimentos e aumenta consumo de industrializados

Crise climática destrói alimentos e aumenta consumo de industrializadosSituação causa deficiência de nutrientes. Foto: Arquivo/Agência Brasil

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O estrago causado pelas mudanças climáticas na produção de alimentos já impacta a qualidade da comida no prato dos brasileiros, especialmente entre as famílias mais vulneráveis, empurradas ao consumo de industrializados e enlatados. É o que mostra o estudo “O nexo entre a mudança climática, sistemas alimentares e saúde humana: Uma estrutura de pesquisa interdisciplinar no Sul Global”, divulgado nesta semana.

A partir da análise de diversas produções acadêmicas, os pesquisadores apontam que fenômenos climáticos como secas prolongadas e chuvas intensas alteram o ciclo hídrico, modificando o solo. Essas mudanças radicais interferem no desenvolvimento da planta, fazendo com que elas não se desenvolvam ou morram encharcadas por excesso de água.

Publicada no periódico Environmental Science & Policy, ao qual o Ecoa teve acesso com exclusividade, a pesquisa foi elaborada por um grupo de cientistas de 5 universidades brasileiras: UFPE, USP, UFRN, UFPA e UFPB. Também participaram nutricionistas, cientistas sociais, ecólogos e especialistas ligados à Resiclima, uma rede de colaboração que estuda os impactos das mudanças climáticas em diversos campos da sociedade.

Um deles é Sávio Gomes, professor do Departamento de Nutrição do Centro de Ciências da Saúde da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), que explica que esses fenômenos “reduzem a quantidade de alimentos e elevam o preço daqueles poucos alimentos in natura que são ofertados no mercado”.

Sentindo na pele

A família de Antônio Veríssimo, 58 anos, morador da terra indígena Apinajé, no estado de Tocantins, vem sofrendo na pele esses efeitos. Pai de dez filhos, ele se desdobra com R$ 750 do Bolsa Família para alimentar a família. É que a estiagem prolongada que atinge o Cerrado destruiu a sua plantação. Feijão, milho, batata, abóbora e melancia: nada vingou.

“Quando dá fruta, a gente faz suco de caju. Quando não dá, no supermercado vem aqueles sucos pintados [suco em pó]. Depender de comida da rua é ruim, perde a diversidade, só tem industrializado. Há 30, 40 anos chovia bem por aqui. Agora, o tempo está quente e o solo fica seco”, contou.

Já o contador Márcio Almeida, 40 anos, morador do bairro Sarandi, um dos mais afetados pelas enchentes ocorridas em Porto Alegre em abril, lembra que a tragédia tirou do seu prato o arroz, o feijão, os legumes e as frutas. Com as inundações, a Ceasa (central de abastecimento), que ficava a 3 km da sua casa, foi transferida para 15 km de distância e os supermercados ficaram desabastecidos de alimentos in natura.

“Eu voltei a consumir frutas e verduras somente em agosto, ou seja, quatro meses depois das enchentes. Mas era o que dava”, explica Márcio, lembrando que neste período as prateleiras só ofereciam enlatados, congelados e embutidos, e que mesmo assim, o preço da comida aumentou.

Deficiência de nutrientes

Neste contexto, Sávio reforça que os alimentos industrializados basicamente possuem calorias e poucos ou nenhum micronutriente, a exemplo do ferro e zinco, prejudicando a qualidade nutricional.

“Os componentes químicos que existem nesses produtos contribuem com a obesidade. É por isso que a pessoa que os consome em excesso engorda, mas não se nutre. O excesso de CO2 na atmosfera vem alterando o clima e consequentemente gerando alimentos com deficiência nutricional, ou seja, com menos micronutrientes”, detalha o pesquisador.

Os micronutrientes como ferro e zinco têm uma função importante na sobrevivência humana. “O ferro, por exemplo, evita a anemia. O zinco é um mineral antioxidante que previne o envelhecimento das células e é vital para função imunológica”, explica. Assim, as mudanças climáticas lançam desafios também para a manutenção de uma dieta adequada.

 

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