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Alertas de mudanças climáticas foram ignorados, com perdas bilionárias para o agro

Alertas de mudanças climáticas foram ignorados, com perdas bilionárias para o agroSistema ILPF. Foto: Gabriel Faria/Embrapa

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Eduardo Assad, doutor em manejo de água, professor da FGV e pesquisador do Cepagri/Unicamp, foi coordenador de um estudo que projetou, em 2008, o impacto das mudanças climáticas na produção agropecuária, inclusive prevendo perdas bilionárias, que, 14 anos depois, se mostraram cinco vezes maiores, pois os alertas foram ignorados pelo setor. Em entrevista ao Globo Rural, o pesquisador falou sobre vários assuntos, começando com o que mudou desde que o estudo foi lançado.

“Uma das conclusões do estudo foi que, nas safras de grãos, o Brasil poderia perder R$ 7 bilhões até 2020. Perdemos US$ 7 bilhões, cinco vezes mais. Mostramos que há condições de reduzir as perdas e se adaptar. Só que pouco foi feito, pois o conservadorismo é enorme. Ficamos reféns de uns irresponsáveis que iam à cúpula do governo vender a ideia que não tem mudança climática. Isso começou a mudar só recentemente. A temperatura deve subir 2 graus até 2050. No agro, vamos ter uma situação difícil em relação à oferta de água, pois nossa agricultura é 95% de sequeiro. Isso vai ocorrer principalmente na Região Centro-Oeste. O que temos tentado fazer é mostrar que é possível reduzir as perdas por meio de uma agricultura de baixo carbono, com sistemas integrados, melhoramento genético e uso de cultivares tolerantes. Temos plantas no Cerrado, Caatinga e Amazônia que já suportam temperaturas mais altas, como umbu, pequi, baru. Precisamos estudá-las e trabalhar com transgênicos para culturas comestíveis. Isso é dificílimo e só será possível com investimento em pesquisa”.

Para ele, a ciência pode salvar o agro dessas intempéries climáticas.

“Com investimentos, sim. No início das pesquisas com soja, os americanos vieram aqui e disseram que o Brasil nunca produziria soja em baixa latitude. Mas dominamos isso ao ponto de cultivar no Amapá, com zero de latitude. Funciona para qualquer cultura e para a pecuária, mas não é da noite para o dia. Quando o Brasil começou a produção de soja, a produtividade era menor que hoje em dia. Foi a ciência que ajudou no salto. O agro enriqueceu com o resultado das pesquisas e o setor de pesquisa empobreceu. Está na hora de retribuir. O PIB do agro movimenta R$ 1,3 trilhão, mas quanto disso vai para a ciência?”

Questionado sobre a Embrapa, Assad questionou seu foco em produtos.

“O maior patrimônio da Embrapa são seus cérebros extraordinários. Mas o estabelecimento das pesquisas e a pulverização de recursos foi enorme, com menos foco em biodiversidade, mudanças climáticas e meio ambiente. A Embrapa contratou pesquisadores para trabalhar com mudança climática e começaram a surgir soluções e tecnologias, só que veio o entendimento de que isso não daria dinheiro, que era preciso focar em produtos. Os últimos quatro anos foram ruins, mas a Embrapa tem uma resiliência enorme. O corpo técnico tem uma tolerância impressionante aos maus gestores”.

O professor classificou como “delicada” a percepção de parcela do agro que não valorizava a ciência até pouco tempo atrás.

“É uma situação delicada. Essa desconfiança começou antes do governo Bolsonaro. Mas a indústria e o mercado começaram a ver o prejuízo e a necessidade de adaptação. Um dos setores que saíram na frente foi o florestal, com investimentos e foco no mercado de carbono. Outro, é o da pecuária, que compreendeu que, apesar do impacto nas emissões, o boi pode ser criado em um sistema de produção adaptado, com recuperação da pastagem, redução do tempo de criação e investimento em genética. E aí vem a compreensão de que a integração lavoura-pecuária-floresta pode aproveitar o tempo útil da propriedade, gerar carbono e proteger os animais. O terceiro grupo que tem demonstrado interesse é o de produtores de soja e milho. Havia fortíssima resistência e conservadorismo, até com negacionistas sendo pagos para contaminar a cabeça dos produtores. Mas, aos poucos, isso está mudando”.

Assad também foi questionado da razão pela qual o produtor rural não usa a tecnologia para a aumentar produtividade sem desmatar um hectare.

“O motivo é o conservadorismo. Quando só se planta soja, usa-se 42% do tempo útil da fazenda. No restante, emitem-se gases de efeito estufa. Quando se faz a safrinha, no caso de soja e milho, esse índice vai para 80%. Se faz soja, milho e pasto, não está emitindo, e dobra a produção na mesma área pela intensificação. O problema é fazer o produtor sair da zona de conforto, pois está ganhando dinheiro. É o que chamo de conservadorismo. Os que abriram os olhos estão vendo que, se não se adaptarem, vão perder. Isso também passa por incentivos. Se vai pegar dinheiro do Plano Safra, poderíamos exigir a adoção de um sistema de produção diferenciado. Em vez do convencional, plantio direto ou integrado”.

Por último, Assad, a pedido, aconselha o produtor rural em relação ao futuro de seu negócio.

“Faça manejo e conservação de solo e água, aprofunde as raízes de sua lavoura. Quem fizer isso vai se adaptar melhor ao aquecimento global. Siga o zoneamento agrícola de risco climático, use a tecnologia com uma abordagem conservacionista, e não conservadora. Adote as recomendações de cultivares indicadas para a sua região. O mesmo vale para os pecuaristas: cuidem bem do seu pasto. É fundamental mudar a noção do tempo de retorno. O resultado não virá em três meses, mas em três anos, e depois vira um ciclo”.

Fonte: Globo Rural