Um artigo científico que, por 25 anos, serviu de base para atestar a segurança do glifosato — o agrotóxico mais usado no mundo — foi oficialmente retirado de circulação pela revista norte-americana Regulatory Toxicology and Pharmacology. A revista citou questões éticas, falta de integridade científica e desconfiança sobre os resultados como motivos para a invalidação.
O estudo, publicado em 2000 por Gary M. Williams, Robert Kroes e Ian C. Munro, concluía que o glifosato não representava risco de desenvolvimento de câncer, exercendo grande influência em debates regulatórios e de saúde. No Brasil, ele foi um dos artigos citados pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no processo que manteve a substância autorizada no país.
Especialistas ouvidos pela Repórter Brasil afirmam que a retratação reforça as suspeitas sobre os danos do glifosato à saúde humana e abre caminho para novos questionamentos à comercialização do produto, base de mais de cem itens disponíveis no mercado, usados em plantações e jardins. A retratação de um artigo, no meio acadêmico, invalida seus resultados.
Câncer e Monsanto
Um dos pontos centrais da retirada de circulação foi a conclusão do artigo de que o glifosato e o Roundup não seriam carcinogênicos. A revista aponta que esse resultado se baseou exclusivamente em estudos fornecidos pela própria Monsanto e que não passaram por revisão por pares.
Segundo o comunicado, o artigo falhou ao ignorar uma série de estudos já publicados à época que contradiziam suas conclusões, tornando a análise falha e unilateral. A toxicologista Karen Friedrich, da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), lembra que, além das dúvidas sobre a autoria, investigações indicam que os autores podem ter recebido compensações financeiras da Monsanto não divulgadas no artigo.
Embora os autores tivessem declarado que a Monsanto patrocinou o estudo e forneceu materiais e colaboração na análise de resultados, e-mails internos da fabricante expostos em 2019 — no caso conhecido como “Monsanto Papers” — sugerem que funcionários da empresa contribuíram diretamente para a redação sem o devido reconhecimento.
Essa prática levanta sérias dúvidas sobre a independência da pesquisa e a integridade da ciência que fundamenta as regulamentações de produtos como o Roundup.
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