Por André Garcia
A alta de 150% no preço do cacau, resultado da quebra de safra na África Ocidental — região que detém 70% da produção mundial — abriu uma brecha estratégica para Mato Grosso. Aliada à recuperação de áreas degradadas, a cultura desponta como alternativa de renda para produtores e como estratégia para colocar o estado na rota global da cacauicultura.
Com esse cenário favorável, a Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer) anunciou que irá investir R$ 2,5 milhões em experimentos com o cultivo de cacau nos três biomas do estado: Amazônia, Cerrado e Pantanal. Os estudos começarão em 2026 e serão realizados em áreas estratégicas como Juína, Sinop, Tangará da Serra e Cáceres, além de municípios do Araguaia e da Baixada Cuiabana.
“O cacau se apresenta como uma alternativa altamente rentável para áreas degradadas e improdutivas, além de inserir Mato Grosso em uma cadeia global em expansão. Essa iniciativa vai gerar conhecimento técnico e abrir novas oportunidades de renda”, explica o diretor-presidente da Empaer, Suelme Fernandes.
Mais de mil pés por hectare
O potencial de transformação já pode ser visto na prática no Sítio Estrela Seleste, em Aripuanã, na região Amazônia. Lá, uma área antes degradada deu lugar a um sistema produtivo sustentável, com 1.111 pés de cacau cultivados em apenas um hectare.

Foto: Empaer
Para alcançar esse resultado, o proprietário Marcos dos Santos contou com o apoio do Programa REM Mato Grosso (REDD Early Movers), que viabilizou o acesso a R$ 50 mil em recursos, além de assistência técnica contínua oferecida pela Empaer e suporte da Secretaria de Estado de Agricultura Familiar (Seaf).
“A gente sempre tentou, mas não tinha recurso para montar uma irrigação ou fazer um tanque. Quando fomos contemplados, começamos a produzir e fazer o melhor possível”, lembra o produtor, que agora planeja envolver os filhos no trabalho, ampliar o número de pés de cacau e investir também na produção de leite.
Produção integrada
No Sítio Estrela Seleste, a banana foi usada como sombreamento temporário, protegendo as mudas de cacau até que estivessem fortes o suficiente para receber luz solar plena. Essa integração mostra como sistemas diversificados aumentam a produtividade e fortalecem a resiliência da propriedade.
“Essas plantas têm cerca de três anos, e o mais interessante é o tempo de vida delas. Em uma visita técnica em Rondônia vimos pés com 40 anos ainda produtivos. Como é nativa da Amazônia, é uma cultura que oferece estabilidade no longo prazo, e esse é nosso caso”, detalha o técnico da Empaer, Walison Mendonça de Souza.
Além do plantio, a assistência técnica acompanha todas as etapas do processo, do preparo do solo à comercialização, incluindo orientações sobre processamento, embalagem e venda por meio de programas institucionais como o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).
Sistemas Agroflorestais
A adoção de sistemas agroflorestais (SAFs), combinada com irrigação eficiente, manejo intensivo e controle rigoroso de pragas e doenças, é fundamental para consolidar a cacauicultura em Mato Grosso. Essas práticas garantem a qualidade das amêndoas, requisito essencial para atender à indústria de chocolates finos e derivados e agregar valor à produção.
“O cacau cultivado a pleno sol ou consorciado com banana e mamão torna-se altamente produtivo. Ele pode transformar áreas degradadas, como pastagens, em sistemas produtivos e rentáveis. Além disso, é uma commodity com potencial elevado para exportação”, destaca o engenheiro agrônomo Fabrício Tomaz.
Os técnicos da Empaer reforçam que o sucesso do setor depende do chamado “básico bem-feito”: uso de clones adaptados a cada região, planejamento adequado do manejo cultural, produção de mudas em viveiros protegidos, acesso a crédito, assistência técnica contínua e tecnologias de precisão para gestão das lavouras.
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