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Sem suporte técnico, Plantio Direto é sinônimo de mais química no campo

Sem suporte técnico, Plantio Direto é sinônimo de mais química no campoModelo não tem dado sinais de avanço. Foto: Secom-MT

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Por André Garcia

Responsável por manter o Brasil no topo da produção mundial de soja, o Plantio Direto se tornou símbolo de sustentabilidade no campo. Mas a falta de orientação adequada sobre seu uso tem distorcido os resultados: aplicado de forma isolada, sem práticas complementares de conservação, o método ampliou a dependência de agrotóxicos e reduziu a eficiência do sistema produtivo.

Segundo estudo divulgado pelo Instituto Escolhas nesta segunda-feira (13), entre 1993 e 2023, a área cultivada com soja no país aumentou 317%, enquanto o uso potencial de agrotóxicos cresceu 2.019%. No mesmo período, o Plantio Direto avançou a uma taxa média de 11% ao ano, acompanhado pelo aumento no uso de herbicidas sintéticos.

“A prática do Plantio Direto isolado pode gerar consequências negativas para o solo, como a compactação e o aumento do uso de herbicidas para controle de plantas daninhas. Estamos substituindo um impacto negativo (causado pelo revolvimento do solo), por outro (causado pelo uso intensivo de agrotóxicos)”, explica Jaqueline Ferreira, uma das coordenadoras do estudo do Escolhas.

Entre os produtores entrevistados para o levantamento, todos adotam a prática, mas apenas 31% implementam a rotação de culturas, 23% têm diversidade de raízes vivas, 15% fazem adubação verde e 15% adotam cobertura viva do solo. Não foram constatados sinais de avanço para um sistema completo.

Ou seja, o que aconteceu na prática foi a criação de um modelo de alta eficiência inicial, mas insustentável no longo prazo. Isso porque o uso intensivo de herbicidas reduz a composição microbiana do solo, o que pode impactar negativamente sua capacidade produtiva.

“A implementação do Sistema de Plantio Direto, que inclui a prática de rotação de culturas, é o caminho para a redução do uso de herbicidas sintéticos nas lavouras de soja, especialmente em um contexto em que ainda não há bioherbicidas disponíveis no mercado”, afirma.

Falta de capacitação e apoio

A pesquisa, realizada em Mato Grosso, Goiás e Paraná com 34 produtores de diferentes perfis (convencional, orgânico e regenerativo), evidencia que a falta de capacitação é um dos principais entraves à adoção de práticas sustentáveis. Mesmo entre produtores dispostos a mudar, a ausência de suporte técnico e a limitação no acesso a insumos biológicos dificultam a transição.

Sem bio-herbicidas disponíveis, por exemplo, os produtores orgânicos recorrem à capina manual, elevando os custos e comprometendo a escala. Já entre os regenerativos, o uso localizado de herbicidas e a combinação entre insumos biológicos e sintéticos revelam um esforço prático de adaptação, mas ainda sem diretrizes claras.

Políticas sem ambição e sem assistência

A mudança no campo, no entanto, depende também de políticas públicas mais consistentes. Para que a transição aconteça, é fundamental que o Estado, em conjunto com produtores e a indústria de insumos, estabeleça metas e compromissos mais ambiciosos. O Plano Nacional de Fertilizantes exemplifica como o país ainda está distante dessa realidade.

Os investimentos previstos de R$ 24,41 bilhões estão voltados para a produção de fertilizantes nitrogenados, fosfatados e potássicos, dentro do modelo tradicional químico e sintético (92% do total). Para as cadeias emergentes — como fertilizantes organominerais e orgânicos — o investimento previsto é de apenas 0,11% do total.

“O papel do Estado é fundamental não só para fomentar a adoção de práticas sustentáveis, como também para promover o acesso e a disponibilidade de insumos aliados a essas práticas. O problema é que as políticas públicas existentes estão muito aquém da urgência necessária para promover a transição”, diz trecho do documento.

Um modelo esgotado

O uso crescente de insumos sintéticos afeta também a rentabilidade do produtor, conforme apontou estudo do Instituto divulgado em junho. Em 1993, com 1 kg de agrotóxico produziam-se 23 sacas de soja. Em 2023, a mesma quantidade de agrotóxico conseguia produzir apenas sete sacas. Entre 2013 e 2023, os gastos com sementes, agrotóxicos e fertilizantes cresceram 8% ao ano no país.

O esgotamento desse modelo produtivo coloca em risco a liderança mundial do Brasil na produção do grão. Mas, por ser a principal cultura agrícola do país — ocupando 46% do total da área cultivada em 2023 —, a soja pode ser a grande protagonista da transição da agricultura brasileira para modelos mais sustentáveis e adaptados à crise climática.

 

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