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Produtor do MT é acusado de produzir soja em área de desmate

Produtor do MT é acusado de produzir soja em área de desmateRegistro feito na Santa Ana em 2022. Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil

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Por André Garcia

Na contramão do agro mato-grossense, que amplia sua produção seguindo rigorosos padrões de qualidade,  eficiência e boas práticas, um caso isolado, identificado em uma investigação internacional, pode comprometer nossa imagem e prejudicar transações da cadeia estadual.

Trata-se da Fazenda Santa Ana, em Claudia (600 km de Cuiabá),  de propriedade da família Lucion, denunciada por recentes incêndios ilegais e desmatamento de 400 hectares da floresta amazônica para produzir soja.

A denúncia foi feita pela Mighty Earth a partir do rastreamento da venda de sua safra para a Cargill que, por sua vez, revendeu os grãos para produtores ingleses, fornecedores da rede Tesco. Resultado: o caso foi noticiado pela grande imprensa britânica, como Sky News, além de veículos especializados no varejo, como Grocery Gazette.

Este é mais um exemplo de como poucos produtores que agem fora da lei têm o poder de manchar a imagem da atividade no exterior. Como em outros setores produtivos, é vital que o agronegócio brasileiro elimine as maçãs podres do cesto. Para isso, é preciso que o combate e responsabilização por crimes ambientais se intensifiquem, garantindo que as agricultoras que agem de acordo com a lei não paguem por más condutas.

Em conjunto com a Repórter Brasil, a Mighty Earth mapeou a safra da fazenda Santa Ana. Segundo o levantamento, o desmatamento da Floresta Amazônica pela propriedade equivale a 560 campos de futebol, o que resultou na perda de mais de 220.000 árvores e inúmeras espécies.

Há ainda evidências de incêndios ilegais ocorridos em setembro de 2022, usados para “limpar” a floresta para o cultivo da soja. A ação viola a Moratória da Soja na Amazônia, que proíbe a venda de soja cultivada em terras desmatadas após 2008, as leis brasileiras e as próprias políticas da Cargill.

Complexo Santa Ana é composto por sete propriedades coladas umas às outras, todas pertencentes a família Lucion (Imagem: Google Earth/Mighty Earth)

De acordo com a Mighty Earth, também existe risco de “contaminação” por desmatamento do fornecimento brasileiro de soja da Cargill, que representa 70% do total de importações de soja para o Reino Unido.

A Cargill, por outro lado, insiste que tem procedimentos robustos para evitar que o desmatamento entre em sua cadeia de fornecimento e para que as fazendas cumpram com as regras previstas em acordos e pela legislação.

A empresa sustenta que, quando a fazenda Santa Ana foi adicionada à lista proibida da Moratória da Soja, em maio de 2021, houve bloqueio imediato das compras. No entanto, a restrição teve fim em junho de 2022, apenas alguns meses antes do pico de desmate registrado pela investigação.

Na opinião do fundador e CEO da Mighty Earth, Glenn Hurowitz, o posicionamento da multinacional é insuficiente frente a urgência da questão. Para ele, é preciso que a empresa aumente urgentemente sua ambição, em linha com outros concorrentes e clientes de varejo, antecipando sua meta de desmatamento para 2025.

Outras suspeitas

Segundo a publicação da Repórter Brasil, o plantio da família Lucion em área embargada coloca sob suspeita a venda de soja para Cargill (de 2019 a 2022), Amaggi e Cofco (2019), destinada a armazéns das empresas nos municípios de Sinop e Cláudia. A Bunge, por sua vez, comprou milho dos Lucion em 2019 – a empresa afirma que “não mantém relação comercial com as áreas citadas”, mas a Repórter Brasil obteve dados de documentos fiscais que atestam os negócios com a Fazenda Santa Ana.

Em seus esclarecimentos, as tradings dizem que no momento de suas compras o produtor não estava incluído em nenhuma lista restritiva e que suas políticas de verificação de fornecedores impedem compras de áreas embargadas – no caso dos Lucion, a área da fazenda é maior que os 235 hectares em que é proibido plantar, e, portanto, a fazenda comportaria também produção regularizada.

As empresas são signatárias da Moratória da Soja, que impõe o compromisso de não adquirir nem financiar soja cultivada em áreas desmatadas na Amazônia. Segundo a Abiove, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais, que integra o Comitê de Auditoria da iniciativa, desde o início de 2021 há áreas da fazenda bloqueadas para venda – o que foi insuficiente para impedir os negócios feitos até o ano passado.

A íntegra das notas enviadas à Repórter Brasil pode ser lida aqui.

Prejuízo em cadeia

Como já mostrado pelo Gigante 163, o desmatamento, além de depreciar a terra e commodities agrícolas, pode prejudicar negociações com países da União Europeia, que avança na definição de restrições para a importação de commodities de origem associada ao crime e já vêm implementando medidas similares a nível nacional. O objetivo é evitar que o mercado europeu sirva como vetor para a destruição florestal em outras partes do mundo, ao mesmo tempo em que valoriza os produtores que respeitam o meio ambiente.

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