O número de alertas de desmatamento químico em Mato Grosso explodiu em 2025. Entre janeiro e 10 de outubro, foram detectados 621 possíveis casos de degradação por uso de agrotóxicos para eliminar vegetação nativa — um aumento de 800% em relação a todo o ano passado, quando ocorreram apenas 69 alertas.
Os dados foram obtidos pela Repórter Brasil junto a uma ferramenta inédita de monitoramento via satélite do governo do estado do Mato Grosso. O sistema identifica mudanças graduais na coloração da mata – do verde saudável para tons marrom-avermelhados – , e padrões regulares que indicam ação química, em vez de corte ou queimada.
De acordo com o levantamento, cerca de 149 mil hectares podem ter sido devastados com a aplicação de produtos desfolhantes desde 2021 — o equivalente à área da cidade de São Paulo. A destruição se espalha pelos três biomas de Mato Grosso: Amazônia, Cerrado e Pantanal.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) ressalta que os alertas são preliminares e precisam ser confirmados em vistoria de campo antes de gerar autuação. Mesmo assim, uma nota técnica da própria secretaria, citada pela reportagem, mostra que 84% dos proprietários que receberam alertas em 2024 haviam adquirido agrotóxicos.
“Os resultados evidenciam elevada correspondência entre os alertas e a efetiva utilização desses insumos nos imóveis”, aponta o documento.
Mapa da destruição
A Amazônia concentra a maior parte dos registros deste ano, com 582 ocorrências e 6,6 mil hectares afetados. O Cerrado teve 34 casos (544 hectares) e o Pantanal apenas um (2 hectares). Segundo a Sema, a combinação entre monitoramento por satélite e cruzamento de informações do Cadastro Ambiental Rural (CAR), licenças, planos de voo e receituários agronômicos permitem “detecção mais precisa e eficaz dos danos, subsidiando a responsabilização e as ações de proteção dos biomas”.
Estratégia criminosa
Para o pesquisador Maelison Neves, do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da UFMT, o desmatamento químico tem se tornado uma nova estratégia para escapar da fiscalização.
“Faz parte da tática de alguns produtores deixar o desmate menos visível. Os produtos químicos eliminam a vegetação sem deixar rastros e ainda preservam a madeira mais valiosa para o comércio ilegal”, explica.
O uso de agrotóxicos para suprimir vegetação é crime ambiental previsto na Lei de Crimes Ambientais e no Código Florestal. Além da perda de cobertura vegetal, provoca contaminação do solo, da água e da fauna, atingindo inclusive comunidades rurais próximas.
Abertura de novas áreas
Uma fonte do governo estadual ouvida pela Repórter Brasil afirmou que o desmatamento químico está diretamente ligado à abertura de áreas de pastagem para gado. Além disso, os produtos também vêm sendo usados para ampliar lavouras e controlar a regeneração natural em áreas já desmatadas.
A combinação entre novas tecnologias e a liberação recorde de agrotóxicos tem agravado o problema. “Com drones e ampla oferta de produtos químicos, qualquer pessoa pode eliminar vegetação nativa de forma silenciosa e difícil de rastrear”, alertou a fonte.
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