Mato Grosso está no centro de uma mudança que deve redefinir a relação entre soja, meio ambiente e mercado global. Após quase 20 anos, a Moratória da Soja caminha para o fim, segundo executivos que apontam que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre incentivos fiscais inviabiliza a permanência das tradings no acordo.
Como mostrou o Capital Reset, o STF formou maioria para considerar constitucionais leis estaduais que proíbem a concessão de benefícios fiscais a empresas que aderem a pactos voluntários mais restritivos que a legislação ambiental brasileira.
Na prática, as signatárias teriam de escolher entre manter suas políticas de compra livres de desmatamento recente na Amazônia ou seguir recebendo incentivos fiscais. A escolha já está feita, segundo fontes do setor: nenhuma grande companhia pretende abrir mão dos benefícios econômicos para permanecer na Moratória.
Origem e alcance da Moratória
Criada em 2006, a Moratória da Soja estabeleceu que as empresas não comprariam grãos produzidos em áreas desmatadas na Amazônia após 22 de julho de 2008, mesmo que o Código Florestal permita supressão vegetal legal de até 20% da propriedade.
O arranjo nasceu em 2006, a partir de pressões de compradores internacionais e se tornou referência global. Agora, ações contra leis semelhantes aprovadas em outros estados tramitam no STF, e o entendimento firmado na análise da ADI 7774 tende a se estender aos demais casos. Em Mato Grosso, a nova legislação entra em vigor em 2026.
Impasses entre tradings e produtores
As tradings envolvidas evitam comentar o futuro do acordo. ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus, COFCO International e Amaggi não responderam aos questionamentos da reportagem da Capital Reset. As manifestações públicas seguem concentradas nas entidades setoriais Abiove e Anec, que representam a maior parte das signatárias.
No lado oposto, a Aprosoja-MT mantém ofensiva jurídica, legislativa e administrativa para derrubar a Moratória. O STF chegou a dar prazo até o fim deste ano para que produtores e tradings tentem um consenso, mas as conversas não avançam.
“Eles entendem que as possibilidades de composição já se esgotaram e que a Aprosoja não abre espaço para discussão, por se sentir bem amparada [pelas decisões judiciais]”, afirmou um entrevistado.
Acordo esvaziado
Do ponto de vista das empresas, as possibilidades de composição se esgotaram. Uma alternativa discutida internamente seria ajustar o pacto para permitir o desmatamento legal, alinhando-o ao Código Florestal. A mudança manteria o nome da Moratória, mas descaracterizaria sua essência.
Entre compradores, porém, o sinal é outro. Duas grandes indústrias de alimentos consultadas afirmam que vão manter políticas de desmatamento zero para grãos originados da Amazônia, mesmo que isso encareça a rastreabilidade. Hoje, todo o custo é dividido entre os signatários, que auditam coletivamente cada safra.
“Existem conversas para modificar a base central e seguir usando o nome da Moratória da Soja. Mas aí não seria mais a Moratória, apenas uma vitrine para preservar reputação”, diz uma pessoa próxima do arranjo. “O acordo seria esvaziado.”
Pressões internacionais e futuro da rastreabilidade
O cenário se complica com a aproximação da lei antidesmatamento da União Europeia, que proíbe a entrada de commodities produzidas em áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020, independentemente de a supressão ter sido legal ou ilegal.
A regra é mais flexível que a Moratória, mas muito mais rígida que a legislação brasileira. Na prática, o produtor que vende para a Europa ganha um intervalo de 12 anos de desmatamento permitido em relação ao critério de 2008. Ainda assim, grandes compradores afirmam que vão adotar políticas próprias mais exigentes.
Como já mostramos, apesar das tensões, os dados sustentam que a Moratória não limitou a expansão agrícola. A soja cresceu em média 403 mil hectares por ano na Amazônia, alcançando 7,3 milhões de hectares na safra 2022/23. Na última auditoria, apenas 5 por cento da produção apresentava associação com áreas desmatadas.
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