Por André Garcia
Apesar de alguns avanços em transparência, a cadeia da carne ainda não consegue comprovar origem livre de desmatamento na Amazônia Legal. Segundo relatório do Radar Verde divulgado, nesta quarta-feira (22), 88% dos frigoríficos da região operam sem controle efetivo sobre o desmatamento, enquanto 97% das redes varejistas mantêm políticas ineficazes de rastreabilidade.
Os dados foram divulgados um dia depois do Imaflora anunciar a criação do primeiro sistema de certificação no mundo a identificar e valorizar a carne livre de desmatamento.
A avaliação abrangeu 151 grupos frigoríficos com 194 plantas ativas na Amazônia Legal, responsáveis por 96% dos abates de 2024. Nenhuma empresa comprovou monitoramento satisfatório dos fornecedores indiretos, onde o gado nasce e é criado antes da engorda final — elo decisivo para evitar que bois de áreas desmatadas cheguem aos frigoríficos.
“Como nenhum frigorífico ou varejista comprova ter controle sobre as fazendas fornecedoras indiretas, a pecuária brasileira continua exposta ao desmatamento ilegal e à pressão internacional”, ressalta Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e coordenador do Radar Verde.
Mesmo entre as grandes empresas, o desempenho é fraco. Marfrig, Masterboi e JBS lideram o ranking de transparência, mas ainda sem auditorias que comprovem a aplicação integral de seus compromissos de desmatamento zero. Juntas, elas concentram 41% da capacidade de abate da Amazônia.
Também foram avaliadas as 100 maiores redes supermercadistas do país. Somente Assaí, Carrefour e GPA (Grupo Pão de Açúcar) realizam auditorias sobre as fazendas fornecedoras diretas — e nenhuma sobre as indiretas. Mesmo com o aumento da transparência digital, com mais empresas mantendo sites ativos, não houve evolução real nos compromissos nem no controle das origens da carne.
Bancos apertam o cerco
Sem resultados consistentes, o setor deve enfrentar cada vez mais barreiras financeiras. O relatório cita s SARB 026/2023, norma de autorregulação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que orienta os bancos signatários a condicionarem a concessão de crédito à adoção de protocolos que comprovem a ausência de desmatamento ilegal em toda a cadeia da carne bovina — incluindo fornecedores diretos e indiretos.
As instituições financeiras tiveram até dezembro de 2023 para se adequar; já os frigoríficos deveriam reportar até 30 de março de 2024. A adesão à norma é vista como um divisor de águas: quem não se adequar corre o risco de perder acesso a crédito.
O Radar Verde identificou 23 empresas que publicaram os indicadores exigidos, frente a 18 no ano anterior — um avanço tímido, mas importante. Entre elas, estão Frigobom, Frigol, Minerva, Marfrig, Masterboi, Plena Alimentos e JBS, que divulgaram dados sobre rastreabilidade e auditoria.
Avanços
A boa notícia nesta edição do relatório é que o número de frigoríficos com resultados de auditorias independentes tornados públicos triplicou, passando de 13 em 2024 para 41 em 2025. Além disso, empresas como Plena Alimentos, Frigobom, Naturafrig e Frialto começaram a publicar critérios socioambientais mais detalhados em seus sites oficiais.
Alguns frigoríficos e varejistas também implementaram iniciativas de boas práticas, como programas de rastreabilidade voluntária, apoio técnico a pecuaristas e maior detalhamento de critérios de compra. A melhora está relacionada, em parte, ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne e à autorregulação da Febraban.
Vantagem competitiva
O avanço também reflete uma corrida global por segurança ambiental na produção de carne: enquanto a União Europeia demanda comprovação de origem livre de desmatamento, os Estados Unidos discutem a aprovação da Forest Act, que restringe a compra de produtos ligados a áreas degradadas. Além disso, a China, principal destino das exportações brasileiras, dá sinais de que passará a exigir rastreabilidade do rebanho.
“As empresas já entendem a importância da transparência, mas ainda precisam transformar compromissos em prática para reduzir o risco ambiental e comercial de suas cadeias”, conclui Alexandre Mansur, diretor do Radar Verde.
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