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Relatório de mudanças climáticas aponta perdas para o agro brasileiro

Relatório de mudanças climáticas aponta perdas para o agro brasileiro

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O nosso agronegócio pujante recebeu um alerta vermelho na segunda-feira, 9/8, com a divulgação do relatório das projeções climáticas elaborado pelo Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU, resultado do trabalho de 234 cientistas de 66 países com mais de 14 mil referências citadas.

Como você leu neste site nos últimos dias, a tendência é de que tenhamos períodos de seca extrema mais prolongados na nossa região, o que deve afetar o bolso e a produção do agronegócio brasileiro. Os prejuízos já foram calculados, podendo chegar a R$ 6 bilhões por ano até 2050, conforme pesquisa realizada pela Universidade de Viçosa em parceria com a Universidade de Bonn, na Alemanha.

O tema preocupa a ministra da Agricultura (Mapa), Tereza Cristina.

“Cenários de aumento de seca, chuvas mais intensas, aumentos ou diminuição de temperatura podem levar a perdas de produção e comprometer diretamente a segurança alimentar nacional e global, gerando prejuízos socioeconômicos incalculáveis”, afirmou a titular da Agricultura em nota.

Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa, especialista em agricultura e mudanças climáticas, lembra que a comunidade científica vem dando alertas sobre as mudanças climáticas no Brasil desde 2007.

“Nos últimos dez anos, o Rio Grande do Sul e o Paraná tiveram seis anos de perdas por seca. Neste ano, tivemos perdas no Centro-Oeste, e não foi algo que aconteceu só uma vez. É um alerta que estamos dando desde 2007”, disse Assad à Folha de S. Paulo.

O pesquisador cita o óbito de bovinos em razão das ondas de calor no Sul do Brasil.

“Temperaturas mais altas já afetam o café e a laranja. Neste ano, também afetaram a cana-de-açúcar e levaram ao aborto de porcas e à morte de pintinhos. Em 2019 e 2020, foi a primeira vez que vi isso, as ondas de calor foram tão intensas que, na divisa entre o Brasil e a Argentina, foram registrados óbitos de bovinos”, afirmou.

Uma das saídas ao alcance do produtor rural é o plantio de árvores, sugere o pesquisador da Embrapa. “Como você conserta isso? Planta árvore. Porque os bois vão para a sombra, como a gente vai. O setor precisa adotar práticas mitigadoras e, principalmente, parar de desmatar”.

Além do Mapa e de pesquisadores de entidades respeitadas pelo setor, as gigantes do agronegócio brasileiro que atuam em Mato Grosso expuseram o que elas têm feito para mitigar os efeitos desastrosos das mudanças climáticas. Marfrig, Natura, JBS e Suzano destacaram a urgência na elaboração de um plano de meta para toda a cadeia de valor, conforme você já leu aqui.

O Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) também registrou seus temores ao presidente da COP-26, Alok Sharma, que tem status de ministro no Reino Unido, sede da conferência do clima, marcada para novembro, em Glasgow.

Já a professora da Universidade de Brasília (UNB), Mercedes Bustamante, e integrante do Grupo Consultivo para a Crise Climática, destacou o efeito do aumento da temperatura no Brasil no preço dos alimentos, em entrevista ao Globo.

“As secas podem aumentar a competição por água, porque uma das estratégias poderia ser irrigar as plantações, mas de onde virá a água? Também há impacto no custo de alimentos. Mexe até com a balança comercial brasileira (…) A ideia de um mar de soja, um mar de milho, são modelos que não vão caber mais nessas condições de clima. Vamos precisar da agricultura, mas com fragmentos de floresta bem conservados”, disse ela.

O produtor já sabe que a cultura da soja, para apresentar um bom desempenho, necessita, além de um volume de água adequado, uma boa distribuição das chuvas ao longo do ciclo, satisfazendo suas necessidades, principalmente, durante as fases mais críticas. Por isso, o alerta é vermelho para o Mato Grosso com as previsões de aumento da temporada de seca.

Agropecuária

Uma das novidades do relatório do IPCC é o papel do gás metano liberado pelo gado (fermentação entérica) no aumento da temperatura. Como é sabido, quando o verde é derrubado e queimado, o carbono armazenado nas árvores é liberado para a atmosfera, o que contribui para o aumento da temperatura da Terra devido ao efeito estufa (0,7ºC no último século). Só que o metano, segundo gás que mais afeta o clima no planeta, é 50 vezes mais potente que o carbono.

“Abater o boi mais cedo, com idade de até 30 meses, reduz as emissões de metano. Elas respondem por 19% das emissões do Brasil e cresceram 6% na última década”, disse Assad à Folha.

Já a queima dos combustíveis fósseis respondem por 80% das emissões de carbono para a atmosfera.

Um olhar regional pode até trazer um conforto, num primeiro momento, para quem produz no Cerrado. Mas só num primeiro momento. Dos 204 milhões do bioma, 111 milhões de hectares são vegetação nativa e 60 milhões são pastagens. Hoje temos 25 milhões de hectares com culturas anuais e perenes na região. É uma proporção pequena da área total de 204 milhões de hectares.

A questão é que o que ocorre na Amazônia afeta o nosso Cerrado, que, segundo pesquisa desenvolvida por 12 cientistas brasileiros, publicada recentemente na revista “Global Change Biology”, pode entrar em colapso nos próximos 30 anos se o agronegócio seguir em ritmo frenético sem cuidar de sua biodiversidade.

Isso porque o desmatamento na Amazônia afeta o sistema de chuvas no Cerrado. O mês de julho, por exemplo, fechou com 1.417 km2 de desmatamento no bioma. Pará e Amazonas ocupam o primeiro e o segundo lugar no ranking dos maiores desmatadores do mês, com 498 km2 e 402 km2, respectivamente.