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Produção de Carne Carbono Neutro é tímida, mas promissora

Produção de Carne Carbono Neutro é tímida, mas promissora

Baixa produtividade pecuária pode ser revertida com práticas para mitigação de GEE
MT lidera ranking de produção agropecuária do país, diz Mapa
Exportação de carne bovina de MT cresce 42%

Moacir José – Especial para o Gigante 163

Às vésperas da COP-26, onde serão debatidos na Escócia avanços e desafios dos países na redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE), o Brasil tem ações a mostrar e uma delas, em especial, ligada a uma das maiores fontes emissoras: a pecuária.

O projeto Carne Carbono Neutro (CCN), parceria da Embrapa com a Marfrig Alimentos, segunda maior processadora de proteína animal do Brasil e do mundo, completou um ano de vida. A produção ainda é tímida: está limitada a apenas uma fazenda, localizada no Mato Grosso do Sul. Mas o lucro proveniente da integração de culturas já é notável.

A marca-conceito CCN certifica produtos originados de animais cujas emissões entéricas de metano (arrotos e flatulências dos bovinos) sejam compensadas por árvores, plantadas na mesma área de pastagem, que sequestram dióxido de carbono (CO2), por meio da fotossíntese, e armazenam carbono. Esse sistema, conhecido com ILPF (Integração Lavoura Pecuária e Floresta), garante ainda ambiente termicamente confortável aos animais, por meio de sombra. E tudo isso é levado em conta na certificação da CCN.

Vantagens da integração

A propriedade certificada que vem fornecendo os animais é a Santa Vergínia Agropecuária e Florestal, de Santa Rita do Pardo (MS), pertencente ao Grupo Brochmann Pollis, que atua nessas duas áreas, no Brasil e no Paraguai, além de ter um braço no setor de empreendimentos imobiliários.

No lançamento do programa, no fim de agosto de 2020, segundo reportagem da “Revista DBO” (edição de setembro/2020), a previsão da Marfrig era abater de 300 a 400 cabeças/mês, gerando 21 cortes de carne da linha “Viva”, para serem comercializados em 10 lojas do supermercado Pão de Açúcar, em São Paulo, capital.

Segundo José Albino Zacarin – que foi gerente e hoje é consultor da propriedade –, a produção de gado destinada à marca CCN foi de 2.500 cabeças, 25% do total da propriedade. O gado ficou alojado numa área de quase 1.000 hectares, onde estão instalados 619.000 pés de eucalipto, que só poderão ser cortados quando completarem 15 anos de plantio e terem como destino a indústria moveleira. Outros 9.000 hectares plantados com a mesma espécie visam a produção de celulose (corte a partir do 7o ano).

“Mais importante do que o bônus que essa marca de carne proporciona – até 5% mais do que o preço normal pago pela arroba do boi – é o resultado financeiro decorrente da integração das duas atividades”, afirma Zacarin.

Segundo ele, a madeira deixa para a propriedade um lucro equivalente a 5 arrobas líquidas por hectare por ano (R$ 1.400 ou 280/@ no MS), enquanto a pecuária rende 3@ líquidas (R$ 840/ha/ano), números muito bons, se comparados à média nacional.

Por contrato, a Marfrig detém exclusividade, por 10 anos, do selo CCN, cujo protocolo foi desenvolvido pela Embrapa, em trabalho que envolveu várias unidades da empresa de pesquisa pública brasileira. O protocolo CCN foi aplicado, entre 2015 e 2019, em oito propriedades, em três biomas brasileiros.

A porta de entrada para o programa é a plataforma Agri Trace Animal, gerenciada pela CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, entidade representativa dos produtores. Ali, o CCN está cadastrado junto a outros 10 programas de certificação de carne, a maioria ligada a associações de raças bovinas.

O interesse pelo programa levou 13 certificadoras a se credenciarem no protocolo CCN, mas apenas uma delas está atuando, para auditar o trabalho da Santa Vergínia. E a Marfrig habilitou também só uma planta frigorífica – a de Bataguassu, sudeste do Mato Grosso do Sul –, para o abate dos animais destinados ao programa.

Fatores limitantes

Para Paulo Vicente Costa, coordenador de rastreabilidade da CNA, ter uma só planta habilitada restringe muito o acesso de produtores interessados. E isso seria uma das principais razões de o programa não ter ganhado mais adeptos neste um ano de existência.

“Calculo que uma distância superior a 400 km entre a fazenda e o frigorífico não compense o que o produtor vai ganhar a mais na arroba, por causa do custo do frete, que será muito alto”, explica Costa.

Ele defende que, num projeto como esse, todas as plantas do frigorífico deveriam estar acessíveis para habilitação da marca-conceito. Costa considera, também, que o contrato de exclusividade com a Embrapa é outro limitador.

“Programas de certificação de carne de raças, como as do Angus e do Hereford, não colocam esse tipo de barreira – e estão crescendo”, contrapõe.

“O CCN é um protocolo promissor, mas não tem a adesão que gostaríamos de ver. Só um fornecedor não se justifica. E sistemas como ILPF e ILP só têm crescido. Nesse sentido, o produtor pode achar que é um protocolo complexo, mas, se for viável economicamente, ele vai investir”, afirma o executivo da CNA.

Costa aponta pesquisa informal que a entidade fez com os preços praticados pelo varejo nessas carnes especiais e concluiu que, em média, os programas de certificação geram 7% de prêmio para o produtor; os frigoríficos ficam com uns 20% e o varejo pode colocar um sobrepreço que vai de 70% a até 100%, dependendo do corte.

Roberto Giolo de Almeida – pesquisador da Embrapa Gado de Corte e responsável técnico pelo protocolo CCN – explica que o contrato com a Marfrig envolveu a cooperação técnica da Embrapa, para elaboração do protocolo, e a cooperação financeira da empresa alimentícia, que investiu recursos no desenvolvimento das marcas CCN e também a CBC – Carne Baixo Carbono.

“Não fosse isso, certamente, elas demorariam mais tempo para serem lançadas. Nada mais justo do que conceder exclusividade por um período”, entende Giolo.

Segundo ele, o protocolo CBC – que prescinde do componente florestal e trabalha com o conceito de recuperação de áreas degradadas de pastagem, por meio da integração com a agricultura de grãos – está em fase final de revisão e deverá ser lançado no início de 2022.

Procurada pela reportagem – que solicitou entrevista com o diretor de sustentabilidade da empresa –, a Marfrig informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não responderia questionamentos relativos à CCN por serem “de caráter estratégico para a empresa”.

À espera do CBC

A CCN ainda não decolou e a CBC nem foi lançada, mas já existe a Associação Brasileira dos Produtores de Carne com Baixa Emissão de Carbono e Carne Carbono Neutro.

A presidente da entidade, Vivien Mello Suruagy, concorda com Paulo Costa, da CNA, de que os fatores limitadores de uma só planta habilitada e uma única indústria frigorífica trabalhando impedem a CCN de lançar voos mais altos.

“Apoiamos a ação da Marfrig com a Embrapa, mas se outros frigoríficos entrassem num programa como esse, seria mais interessante.”

Pelo raciocínio de Costa, ela própria não teria vantagem de produzir animais nesse protocolo, pois sua fazenda, em Água Boa (MT), fica a pouco mais de 1.000 km de Bataguassu, onde está a planta habilitada da Marfrig. Por outro lado, ela está a 100 km de uma planta da JBS.

Mas a razão principal de ela não estar no programa é que sua fazenda não tem o componente florestal em seu sistema de produção; faz apenas Integração Lavoura Pecuária (ILP). Essa, segundo ela, é a condição de outras 1.500 fazendas reunidas na associação e que podem entrar em algum programa de produção certificada.

“O de baixo carbono é o protocolo mais abrangente; estamos esperando sair. Não há dúvida de que a questão ambiental é ‘a bola da vez’”, avalia.

Ranking de GEE

Dos cinco segmentos avaliados como emissores de gases de efeito estufa, a agropecuária é o maior, no Brasil. Ela responde por 33,2% do 1,467 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, registradas em 2016.

Energia (29%) vem em segundo; mudança de uso da terra e florestas (27%), em terceiro; processos industriais (6,3%), em quarto; e tratamento de resíduos (4,5%) em quinto.

Dos 33,2%, mais da metade (19,2%) provém da emissão oriunda da fermentação entérica dos animais e, desses, os bovinos de corte são a maioria: 16,1%.

Este foi o último levantamento feito, e os dados constam do relatório de referência do 4o Inventário Nacional de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa, divulgado no fim de 2020 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com base no período de 1990 a 2016.

É o dado mais recente e serviu de base para a 4a Comunicação Nacional do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, finalizada no início de janeiro deste ano.

Para saber mais:

https://www.embrapa.br/busca-de-solucoes-tecnologicas/-/produto-servico/3488/marca-conceito-carne-carbono-neutro

http://ranimal.cnabrasil.org.br/