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Produtor precisa ir além do Código Florestal para manter sua área de produção

Produtor precisa ir além do Código Florestal para manter sua área de produçãoMonocultura de soja em área nativa de cerrado. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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Por André Garcia

Na linha de frente das pesquisas para mitigação e adaptação às mudanças climáticas, o agronegócio depende da umidade e do ciclo chuvoso do Cerrado tanto quanto os lençóis freáticos, bacias hidrográficas e rios que nascem ali para correr por todo o Brasil. Embora a maior parte do setor obedeça às normas de conservação impostas pelo Código Florestal, a devastação segue em alta. Então, é preciso ir além.

Nesta semana, quando se comemora o Dia Mundial da Água, o Gigante 163 traça um panorama hídrico da região e aponta caminhos para a sua manutenção, que também significa a manutenção do clima, do ciclo dos rios e da segurança econômica do Brasil. Esse trajeto pode ser guiado por uma agricultura mais inteligente e mais resiliente.

Foi o que explicou à reportagem o membro do Observatório do Código Florestal, Mauro Armelin, ao destacar que, em geral, as leis têm sido atendidas pelos produtores rurais. A questão é que isso, por si só, não tem garantido a redução do desmatamento e a consequente seca do ecossistema.

“Essas normas [do Código Florestal] já são adotadas pela maioria dos produtores. O desmatamento ilegal é uma questão de crime e isso já entra em outra esfera. O fato é que no momento precisamos do Código e de algo a mais. Então o produtor precisa ir além da legislação para manter sua área de produção.”

Um exemplo de como a atual dinâmica não está funcionando vem do Centro-Oeste, região líder na produção agropecuária e onde predomina o bioma. Lá, 94% do território foi atingido pela seca, a maior porcentagem entre as regiões do País. Segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), esta também é a única região onde estiagem se tornou mais intensa, com aumento excepcional de 1% entre 2023 e 2024.

Áreas de Cerrado com avanço do desmatamento. Foto: Mario Alves/ Agência Senado

O resultado foi que, na hora de plantar a soja, na maior parte do Brasil, a umidade era insuficiente. Com receio de não prejudicar o plantio da segunda safra de milho, que vem logo em seguida, os produtores semearam a oleaginosa com pouca umidade no solo, e por isso ela não vingou. Para piorar, os preços também caíram este ano.

Sem tempo

Com um Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado) que escorrega no tópico desmatamento autorizado, o bioma também padece sob a política do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Instituído pelo Código Florestal há mais de uma década, o processo de implementação começou a avançar só em 2023, estando atrasado em muitos estados, segundo o grupo Climate Policy Initiative (CPI).

Entre os estados, há ainda o problema da emissão de licenças. Recentemente, ao comentar os 51 mil hectares de vegetação nativa perdidos no Cerrado somente no mês de janeiro, o geógrafo e diretor-executivo do Instituto Cerrados, Yuri Salmona, afirmou que o dado indica que as secretarias de Meio Ambiente estaduais continuam dando autorização para o desmate com baixos critérios de monitoramento e transparência.

“As ações de combate ao desmatamento, as autorizações de supressão de vegetação, todas as políticas públicas em torno disso ainda estão se recompondo e ainda não estão na escala necessária para poder fazer acontecer [a redução do desmatamento]”, disse em entrevista à Agência Brasil.


Com relação a uma possível ampliação da área de preservação obrigatória no Cerrado, hoje estabelecida em apenas 20% pelo Código Florestal, Armelin avalia que a possibilidade de aumento na porcentagem até existe, principalmente considerando mudanças em normas estaduais. Contudo, a questão é urgente e não se pode esperar pelo resultado dessa movimentação política.

“A força do agronegócio não vem simplesmente da contribuição que ele dá para o PIB. A conscientização [do setor] vai fazer com que a sociedade sofra menos. Estamos passando por um problema sério que só vai aumentar”, explicou ele, que é engenheiro florestal e diretor executivo da organização Amigos da Terra.

Revertendo o prejuízo

Uma pesquisa da Universidade do Estado do Colorado (EUA) feita em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG) mostra que, em decorrência da seca extrema, houve uma perda primária de produtividade de 33% no Cerrado, onde as plantas cresceram menos que em outras regiões. Assim, além de reduzir o desmate, legal ou ilegal, também é preciso investir em restauração para trazer de volta a umidade.

Hoje, duas propostas caminham neste sentido no Senado. A primeira é oProjeto de Lei (PL) 5.462/2019, que propõe uma política de desenvolvimento sustentável da região. A outra é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2023, que a insere na lista de biomas protegidos como patrimônio nacional. Mas, para o produtor que já lida com os prejuízos desta safra, não sobra margem para esperar pela aprovação das matérias.

 “A gente precisa conter o desmatamento e começar a ter um conjunto de ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, pensando em uma agricultura muito mais resiliente adaptada e que valoriza os conhecimentos das comunidades tradicionais que convivem com o Cerrado de pé”, conclui Salmona.

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