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Brasil usa mais agrotóxicos que EUA e China juntos; gasto prejudica agro

Brasil usa mais agrotóxicos que EUA e China juntos; gasto prejudica agroPolítica agrícola brasileira é quimicamente dependente. Foto: Agência Câmara

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Por André Garcia

Líder no ranking mundial do uso de agrotóxicos, o Brasil aplica cerca de 719,5 mil toneladas de veneno às suas lavouras. O número é maior que o registrado pelos dois principais concorrentes do País no mercado de commodities juntos: Estados Unidos (457 mil toneladas) e China (244 mil toneladas).

Publicados recentemente, estes dados foram compilados em 2021 pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Além de evidenciar a dependência química do agronegócio, os índices do levantamento, se comparados às taxas de produtividade, também fazem pensar se o agricultor brasileiro tem perdido dinheiro com defensivos.

Por exemplo, de acordo com a USDA, os Estados Unidos, registraram em 2021 uma safra de mais de 380 milhões de toneladas de milho, 71% a mais que o Brasil (271,2 milhões). Em contrapartida, eles, que são os maiores produtores globais do cereal, usaram 63% menos agrotóxicos que os brasileiros, terceiros colocados no ranking.

Mesmo se a comparação for feita com a soja, sendo o Brasil o líder da lista, o número é intrigante. Aqui, no ciclo 2021/2022 foram colhidas cerca de 125 milhões de toneladas da oleaginosa, enquanto lá, com muito menos veneno, a colheita foi de 118 milhões de toneladas, só 6% a menos.

Para a engenheira agrônoma Fran Paula, esta falta de autonomia na agricultura nacional está muito mais relacionada a uma dinâmica de mercado do que às demandas da lavoura em si. Uma mistura de interesses que faz dos produtores rurais, especialmente os menores, reféns da cadeia de consumo.

“Isso é fruto do posicionamento de uma política agrícola quimicamente dependente, com relações comerciais e econômicas muito alinhadas entre políticos e indústrias, que faturam bilhões anualmente. Não se trata do que a agricultura precisa, se trata do que a indústria vem empurrando para países como o Brasil”, disse ela ao Gigante 163.

Lucro para quem?

Para as multinacionais de defensivos a dinâmica funciona bem. Conforme o Atlas dos Agrotóxicos, as empresas mantiveram uma tendência de alta anual de mais de 4% de 2015 até 2023. Divulgado no ano passado, o estudo projetou que o setor cresceria 11,5%, chegando a uma movimentação de quase US$ 130,7 bilhões.

Do outro lado, o agricultor lida com estimativas menos animadoras. Em Mato Grosso, maior exportador brasileiro, a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja-MT) informou nesta semana que na comparação desta safra com a de 2019/20, os custos operacionais da soja subiram 45% e que os gastos com defensivos cresceram 35%.

Empresas do Norte Global, onde a maioria destes produtos é proibido, dividem mercado multibilionário. Crédito: Atlas dos Agrotóxicos

Doutoranda no programa de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Fran defende que a implantação de uma política nacional de redução de agrotóxicos adiantaria a transição para modelos menos dependentes de químicos, o que ajudaria a resolver o problema.

“O que o País precisa é adotar uma postura para o desenvolvimento de uma agricultura mais autônoma para romper essas relações com as multinacionais que exercem um lobby muito forte no nosso Congresso”, pontua a pesquisadora.

Caminhos opostos

Segundo o levantamento da FAO, o Brasil usou 10,9 kg de agrotóxicos para cada hectare de lavoura (10 mil m2) em 2021. Já os EUA usaram 2,85 kg/ha e a China, 1,9 kg/ha. Além disso, em 2021 foram usados no Brasil 3,31 kg de agrotóxicos por pessoa. Nos EUA, foram 1,36 kg per capita e na China, 0,17 kg per capita.

Os números reforçam que o País trilha o caminho contrário ao de diversos outros que têm investido em uma transição para sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis. O exemplo mais recente dessa postura foi a aprovação do Projeto de Lei (PL) 1459/2022, apelidado como “PL do Veneno” por afrouxar a regulamentação dos agrotóxicos.

“O Brasil é referência em produção orgânica no mundo. Diversas regiões no País têm sistemas alimentares agroecológicos e orgânicos livres de agrotóxicos, mas, infelizmente, esse modelo de produção tem menos incentivo que a agricultura que utiliza agrotóxicos”, conclui a pesquisadora.

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