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Com apenas 0,43% de CAR validado, Brasil oficializa grilagem de terras públicas

Com apenas 0,43% de CAR validado, Brasil oficializa grilagem de terras públicasÁrea desmatada dentro de Reserva Legal, entre Itaúba e Cláudia. Foto: Ibama

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Por Rodrigo Malafaia

Após 10 anos de vigência do Novo Código Florestal, aproximadamente 6,5 milhões de imóveis rurais foram cadastrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR), uma área que supostamente compreende 612,5 milhões de hectares, segundo dados do Sistema do Cadastro Ambiental Rural (SISCAR). Um aparente sucesso perante a década comemorada.

Aparente, pois os dados divulgados pelo SISCAR indicam que existe mais 1,5 milhão de propriedades rurais no País com quase 300 milhões de hectares a mais cadastrados do que o último relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), conforme aponta o vice-presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), João Paulo Capobianco, em audiência na Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, nesta quarta-feira, 25/05, data do aniversário de 10 anos da legislação.

Falta a fiscalização do CAR…

Mas esse sequer é o pior problema. Capobianco mostrou que apenas 28,6 mil (0,43%) CARs foram analisados pelo poder público, certificando a sua regularidade. Ainda assim, todos os cadastros restantes, os pendentes por suspeitas de irregularidades, têm os mesmos direitos da fatia dos 0,43% validados, como acesso a seguro e crédito rural. Assim, as instituições financeiras também deveriam aprimorar seus mecanismos de controle.

“Nós temos um sistema que tem um cadastro público, mas que não é adequadamente verificado pelo poder público. Ou seja, o poder público simplesmente colhe esses cadastros e não faz a verificação”, afirmou João Paulo Capobianco.

…e isso estimula a grilagem

Capobianco lembra que existem quatro situações para um imóvel cadastrado no CAR: Ativo, ou seja, na plenitude de suas ações; Pendente, que descumpriu suas obrigações e está sendo reavaliado; Suspenso; e Cancelado.

“Mas eu gostaria de chamar a atenção para esses dois primeiros pontos (Ativo e Pendente). O CAR deveria estar Pendente sempre que ‘constatadas sobreposição do imóvel rural em terras indígenas, Unidades de Conservação (UCs), terras da União ou áreas embargadas por dano ambiental’”, segue o vice-presidente do IDS, citando a Portaria 121 de 12 de maio de 2021, da então ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

Em seguida, Capobianco mostra dados do CAR, com cerca de 10 imóveis que se sobrepõem a terras indígenas, Reservas Extrativistas ou áreas embargadas que, segundo a Portaria, deveriam estar Pendentes, mas segundo o site do governo estão Ativas, constituindo o crime de grilagem de terras, invasão e ocupação irregular.

“Estamos falando de 297 terras indígenas com CARs sobre elas. Todas as terras indígenas são de responsabilidade da União, portanto são responsabilidade inequívoca do Serviço Florestal Brasileiro (SFB, subordinado ao Ministério da Agricultura)”, aponta Capobianco.

Em resposta a Capobianco, a diretora do SFB presente na audiência, Jaine Ariély Cubas Davet, admitiu que, de fato, o Serviço Florestal Brasil dispõe de “filtros automáticos que servem para auxiliar, para mostrar essas sobreposições, mas cabem aos Estados analisá-las e suspender e cancelar os cadastros”. Ou seja, o problema também é de má gestão dos órgãos públicos, uma vez que o Governo Federal permite que alguém cadastre sua área rural em terra pública previamente cadastrada no SFB.

“Ah, mas isso é responsabilidade do produtor”?

Capobianco rebate a versão de que o Governo Federal não tem responsabilidade nessa maré de crimes, quando busca terceirizar a culpa da falta de fiscalização e dos imóveis irregulares aos governos estaduais e municipais, ou mesmo, sobre a falta de compromisso do produtor:

“A Lei de Gestão de Florestas Públicas, a 11.284 de março de 2006, é explicita quando diz que compete ao Serviço Florestal (órgão federal subordinado ao Ministério da Agricultura) gerenciar o Cadastro Nacional de Terras Públicas, que incluem terras indígenas, UCs e florestas públicas não destinadas”, afirma.

Os produtores fazem sua parte e colocam todos os dados no CAR para ter tudo regularizado. Mas tem gente desonesta que se aproveita do CAR para dar uma fachada de legalidade às suas terras. Mas aí o governo não faz sua parte, não separa o joio do trigo, e quem paga o pato é o agronegócio, que fica com a imagem manchada.

Desmatamento em CARs

“Além da questão do estímulo à ocupação ilegal da grilagem de terras, nós temos o exemplo do mau uso do CAR para combater o desmatamento ilegal”, afirma. Segundo dados do MapBiomas apresentados, 68,3% dos alertas de desmatamento vêm de imóveis inscritos no CAR.

Números piores se seguem nos biomas Pantanal e Amazônia, dois dos principais biomas de Mato Grosso e essenciais para a sustentabilidade agrícola no Estado. Segundo o mesmo relatório, 84,8% dos alertas de desmatamento no Pantanal e 69,2% dos alertas na Amazônia vêm de imóveis inscritos, e Ativos, no CAR.

“O CAR deveria ser utilizado para autuar esses degradadores que estão agindo ao arrepio da lei de forma remota, como é feito hoje em qualquer outra área. Então nós estamos vendo que o CAR, infelizmente, pela omissão do SFB e do MAPA (Ministério da Agricultura), está se transformando em um sistema oficial de grilagem de terras públicas”, resume João Paulo Capobianco.

Crime de improbidade?

Em sua conclusão, o vice-presidente do IDS defende que seja elaborado um relatório de improbidade administrativa para investigar dois crimes previstos na Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, que trata sobre improbidade no Brasil.

O primeiro crime, aponta Capobianco, decorre da lesão ao patrimônio público, em que terras públicas e de responsabilidade da União (terras indígenas, UCs etc.) estariam sendo griladas sob supervisão omissa do Serviço Florestal Brasileiro e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

O segundo crime, previsto na Lei, seria a omissão do Poder Público perante as suas responsabilidades administrativas em si.

“A administração pública não pode ignorar as suas responsabilidades institucionais. Então, por meio desses dois itens, eu pergunto se não seria o caso de o Senado apresentar um requerimento de Ação de Improbidade Administrativa contra os responsáveis por isso”, instiga Capobianco em sua conclusão.

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