Por André Garcia
Depois de transformar o Cerrado na maior fronteira agrícola do País, o agro brasileiro precisa passar por uma nova revolução — desta vez, para sobreviver às mudanças climáticas. O alerta foi feito pelo presidente da Comissão COP30 da Embrapa, Daniel Trento, durante a Jornada pelo Clima, nesta segunda-feira 26/5, em Cuiabá.
“A palavra-chave é adaptação, de cultivos, de clima temperado para cultivos tropicais, adaptação dos nossos solos com correção, enfim, todo um conjunto de práticas que foram criadas com base em pesquisas, em ciência adaptadas para o Cerrado e conseguiram fazer essa transformação”, disse em entrevista ao Gigante 163.
Trento lembra que a agropecuária brasileira já enfrentou obstáculos parecidos no passado, superando limitações do solo e do clima com apoio técnico e pesquisa aplicada. Agora, ele afirma que o desafio é ainda mais complexo, pois envolve exigências ambientais, oscilações climáticas e a necessidade de antecipar impactos para manter a produtividade.
“A agropecuária está muito ligada aos recursos naturais e o produtor tem sentido essa necessidade cada vez maior de ter ferramentas para antecipar problemas ou para fazer práticas de adaptação na sua propriedade, de forma a manter essa sustentabilidade”, afirmou.
Cerrado e ciência: desafios e soluções
A COP 30 acontecerá na Amazônia, mas Trento defende que o Cerrado seja parte central das discussões. Para ele, todos os biomas são importantes, mas o Cerrado exige atenção especial pela sua vulnerabilidade e pelo papel que ocupa na produção nacional de alimentos, fibras e energia.
“A ideia é capturar quais são os grandes desafios desses biomas, quais são as soluções existentes e o principal: como que a gente leva ao produtor, como que dá escala para isso? E aí é mecanismo de implementação, é formas de financiar essas atividades.”
A Embrapa lançou, durante o evento, uma vitrine com mais de 100 tecnologias sustentáveis. Elas já estão disponíveis, mas ainda não chegaram a todos os perfis de produtores. Para Trento, é fundamental ampliar a transferência tecnológica, com apoio público e privado, para que as soluções ganhem escala e efetividade.
“A gente lançou agora por ocasião dessa jornada pelo clima, uma vitrine com mais de 100 tecnologias para uma agricultura sustentável, a gente precisa que isso chegue no produtor, transferir essa tecnologia, que tenha uma maneira de multiplicar ela para todos os perfis de produtores.”
Produção e conservação caminham juntas
Na avaliação do presidente da comissão, separar produção de conservação é um erro histórico que precisa ser superado. A maioria dos produtores brasileiros, segundo ele, já atua dentro dos limites legais e ambientais — e não pode ser penalizada por ilegalidades cometidas por uma minoria.
“É um mito que se criou. O produtor não vive sem uma boa gestão dos recursos naturais. Ele não vive sem conhecer os recursos que estão na sua propriedade, como que ele faz a melhor gestão disso.”
Vale destacar levantamento lançado recentemente pelo MapBiomas, que mostra que apenas 1% dos produtores com Cadastro Ambiental Rural (CAR) concentram a maior parte dos alertas de desmatamento no Brasil. A estatística, segundo ele, reforça que a ilegalidade está longe de ser regra no setor agropecuário.
“O Brasil é um grande sucesso. Boa parte da sua produção é baseada na produção sustentável. Existem problemas, sim, de ilegalidade, mas não se pode associar isso àquele produtor que faz as coisas corretas.”
Licenciamento precisa de debate técnico
Sobre o projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental, Trento considera que a legislação precisa, sim, ser atualizada. Mas defende que as mudanças sejam discutidas com base técnica, considerando os impactos e respeitando as diferenças entre atividades industriais e agropecuárias.
“Essas questões de adaptação e adequação das leis são inerentes ao processo. Isso tem que passar por uma grande discussão, envolvendo todos os setores, avaliando os impactos disso e, no futuro, revisitando para ver se precisa melhorar ou não.”
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