A aprovação do Projeto de Lei 2159/2021, que altera as regras do licenciamento ambiental no Brasil, tem gerado intensos debates e preocupações, inclusive para o próprio agronegócio. Embora parte do setor defenda a lei como um avanço para reduzir a burocracia e os custos, especialistas e instituições apontam para sérios riscos econômicos e de reputação que podem afetar o desempenho e a competitividade do agronegócio brasileiro no cenário global.
Um dos principais argumentos dos defensores do PL é a busca por mais segurança jurídica para os empreendimentos. Um parecer técnico assinado por duas referências acadêmicas no licenciamento ambiental, os professores Luís Sánchez, da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), e Alberto Fonseca, da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto, alertam que o efeito pode ser o oposto.
A falta de base sólida e de critérios técnicos e legais bem justificados para as medidas de “agilização” (como a simplificação e a isenção de licenças) e para a diminuição da participação de outros órgãos e autoridades, pode levar à aprovação de obras e projetos que causam muita destruição ambiental.
Quando esses danos ocorrem, os empreendimentos ficam vulneráveis a sanções administrativas, inquéritos e ações judiciais. Ou seja, a tentativa de agilizar o processo pode levar a um aumento de conflitos, multas e paralisações, gerando ainda mais insegurança jurídica e prejudicando a previsibilidade necessária para o planejamento e o investimento a longo prazo no setor.
A conclusão é que o projeto é muito limitado. Ele foca demais em tentar agilizar o processo, mas não resolve questões mais profundas e pode até criar novos problemas.
Para os estudiosos, o PL falha em ser uma verdadeira “Lei Geral”, que deveria trazer uma harmonia e integração entre as regras de diferentes níveis de governo (federal, estadual e municipal).
Mudanças
A nova lei simplifica drasticamente o licenciamento ambiental no Brasil, criando uma licença especial facilitada que agiliza a aprovação de obras e empreendimentos “estratégicos”, independentemente de seu impacto ambiental.
Além disso, a proposta dispensa licenças para diversas atividades, como ampliação de estradas, agricultura, pecuária, tratamento de água/esgoto e pequenas barragens de irrigação.
Licenças poderão ainda ser renovadas automaticamente por meio de autodeclaração do empreendedor, e esse sistema de autodeclaração rápida será aplicado nacionalmente para projetos de médio porte. Por fim, haverá menos controle sobre a mineração de grande porte, que terá menos regras federais a seguir.
Impacto nas exportações
O agronegócio brasileiro é um gigante das exportações, e sua competitividade está cada vez mais atrelada à sustentabilidade. Países e blocos econômicos, como a União Europeia, têm aumentado as exigências ambientais para produtos importados. Ao aprovar uma lei que enfraquece a proteção ambiental, o Brasil envia um sinal negativo para esses mercados.
Isso pode resultar em:
- Barreiras comerciais: Produtos brasileiros podem enfrentar restrições ou tarifas adicionais em mercados exigentes, impactando diretamente o volume e o valor das exportações.
- Perda de acesso a financiamentos: Fundos de investimento internacionais e bancos têm cada vez mais critérios socioambientais para conceder crédito. Um arcabouço legal ambiental fragilizado pode afastar esses financiadores, aumentando os custos de capital para o agronegócio.
- Dano à reputação: A imagem do Brasil como produtor sustentável pode ser manchada, afetando a percepção de consumidores e parceiros comerciais. A chamada “agenda verde” do governo federal, prometida em fóruns como a COP30, pode perder credibilidade com esse tipo de retrocesso legislativo.
Futuro do setor em risco
Para outros especialistas, ao priorizar a autodeclaração e a dispensa de estudos, a lei está pavimentando o caminho para uma série de desastres ambientais, como contaminação do solo e da água, além de ignorar completamente a urgência da crise climática.
Um dos pontos mais preocupantes é a dispensa de licenciamento para diversas atividades agropecuárias, bastando, na maioria dos casos, o preenchimento de um simples formulário de autodeclaração. Essa flexibilização, para os pesquisadores, beneficia o agronegócio mais predatório, enfraquece o papel de fiscalização do Estado e, paradoxalmente, coloca os próprios produtores rurais em uma situação de maior insegurança jurídica.
A dispensa de licenciamento para certas atividades pode levar ainda uma maior degradação de biomas cruciais, afetando o regime de chuvas, a qualidade do solo e a biodiversidade, elementos essenciais para a própria produção agrícola.
Em suma, embora a intenção declarada seja desburocratizar e impulsionar o agronegócio, a maneira como o PL 2159/2021 foi aprovado pode gerar um cenário de maior instabilidade jurídica, prejuízos à economia e à imagem internacional e consequências ambientais que, no futuro, podem comprometer a própria atividade.
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