A superintendência-geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) decidiu suspender a Moratória da Soja, um acordo privado que, desde 2006, proibia a compra do grão produzido em áreas da Amazônia desmatadas após 2008. A decisão vale até que o inquérito administrativo do órgão seja concluído.
A Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), que coordena a moratória, declarou ter recebido a decisão com surpresa e afirmou que a medida é um pacto multissetorial reconhecido pela própria Advocacia-Geral da União (AGU) como uma política pública ambiental. A associação garantiu que irá colaborar com o Cade e tomará as medidas de defesa necessárias.
A moratória foi criada por grandes empresas exportadoras, associações do setor e organizações ambientais para responder à pressão internacional contra o desmatamento. O acordo impedia que produtores irregulares vendessem suas safras para mais de 30 empresas, como Cargill e Bunge.
A justificativa do Cade é investigar se o pacto não estaria atuando como um cartel de compra, impondo regras próprias aos produtores, que poderiam ser impedidos de negociar mesmo estando em conformidade com o Código Florestal brasileiro. A tese é de que a iniciativa privada estaria substituindo o papel do Estado na fiscalização ambiental.
Na decisão, o Cade deu um prazo de 10 dias para que as empresas signatárias do acordo suspendam suas atividades. Caso a decisão seja descumprida, as empresas poderão ser multadas em R$ 250 mil por dia. E determinou que nenhuma das empresas envolvidas na Moratória da Soja pode compartilhar relatórios ou listas que identifiquem produtores rurais que estejam ou não em conformidade com o acordo.
Na verdade, a decisão do Cade premia quem quer macular a imagem de sustentabilidade do agro brasileiro. Com um sinal verde para avançar na Amazônia, os esforços de transformar a COP30 em uma vitrine internacional para nosso agro podem ter efeito nulo: a Amazônia é crucial para o clima global e para o próprio sucesso dos produtores brasileiros, que dependem de um regime de chuvas minimamente estável para suas lavouras e para a saúde do gado.
As últimas décadas de desmatamento já provaram essa relação direta entre preservação e clima estável. O desmate na Amazônia altera drasticamente o regime de chuvas na região. E clima instável é prejuízo na certa para a agropecuária. Nos últimos 12 anos, o setor respondeu por 57,4% dos R$ 732,2 bilhões em perdas causadas pelos desastres climáticos. Secas, estiagens e excesso de chuvas geraram um prejuízo de R$ 420 bilhões para o agro.
E o pior, a decisão só beneficia uma minoria e penaliza a maioria dos produtores, já que menos de 1% das propriedades rurais cadastradas no País foram responsáveis por 81,4% dos alertas de derrubada de vegetação nativa, como provam estudos realizados recentemente.
Afinal, qual é a defesa econômica que o conselho está fazendo?
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