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Políticos com 96 mil ha de fazendas sobrepostas a TIs agem contra o agro

Políticos com 96 mil ha de fazendas sobrepostas a TIs agem contra o agroPagamentos totalizaram cerca de R$ 3,64 milhões. Foto: Agência Brasil

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Por André Garcia

Enquanto agropecuaristas brasileiros suam para atender uma das legislações mais rigorosas do mundo e manter a regularidade fundiária de suas propriedades, 42 políticos e seus familiares são titulares de 96 mil hectares de fazendas com sobreposições a Terras Indígenas (TIs). A área equivale às cidades do Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Além disso, 18 deputados e senadores da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) receberam recursos de fazendeiros com propriedades sobrepostas. As informações fazem parte de dossiê publicado pelo De Olho nos Ruralistas na quarta-feira, 14/6, e levantam uma questão importante para o setor: a qual agro a Bancada Ruralista serve?

Em um contexto de conversão de boas práticas em ativo financeiro, no qual o Brasil luta para que suas condutas sejam devidamente reconhecidas e recompensadas internacionalmente, o boicote parte justamente dos principais representantes do setor na política, já que estas irregularidades prejudicam a credibilidade de todo o agronegócio.

Segundo o dossiê “Os Invasores”, que cruza dados das doações eleitorais de 2018 e 2022 com os cadastros de imóveis do Incra, os pagamentos totalizaram cerca de R$ 3,64 milhões, vindos de 15 doadores.

Jaime Bagattoli é dono de fazenda grilada em Rondônia. Foto: Divulgação

Um exemplo de como o joio está legislando no lugar do trigo é o deputado Orlando Bagattoli, irmão do senador Jaime Bagattoli (PL-RO), responsável pelo maior repasse: R$ 2,81 milhões. Membro da FPA, o político foi eleito defendendo a exploração de terras indígenas e a “regularização fundiária” das terras da Amazônia sem registro definitivo.

Já o deputado Dilceu Sperafico (PP-PR) é proprietário, ao lado dos irmãos, da Fazenda Maracay, de 4.418 hectares, em Amambaí (MS). A área de plantio de soja ultrapassa a divisa da TI Iguatemipegua I, reivindicada pelo povo Guarani Kaiowá. Avaliado em R$ 92,9 milhões, o imóvel está sob penhora, para quitar as dívidas acumuladas pela família.

Da velha guarda, Dilceu Sperafico voltou à Câmara em 2022. Foto: Agência Câmara

Outro destaque do relatório é que os invasores tiveram um candidato em comum nas eleições presidenciais. Juntos, 41 deles investiram R$ 1,2 milhão na candidatura derrotada de Jair Bolsonaro (PL). Estes fazendeiros controlam uma área de 107.847,99 hectares, incidente em 23 áreas demarcadas pela Funai.

Nomes aos bois

Os parlamentares da Câmara e Senado que receberam recursos de empresários com terras sobrepostas são: Jaime Bagattoli (PL-RO); Thiago Flores (MDB-RO); Luiz Carlos Heinze (PP-RS); Arnaldo Jardim (Cidadania-SP); Pedro Lupion (PP-PR); Fábio Garcia (União-MT); Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP); Luiz Nishimori (PSD-PR); Covatti Filho (PP-RS); Newton Cardoso Jr (MDB-MG); Amália Barros (PL-MT); Evair Vieira de Melo (PP-ES); Domingos Sávio (PL-MG); Tereza Cristina (PL-MS); Marcos Pollon (PL-MS); Rodolfo Nogueira (PL-MS); André Fufuca (PP-MA) e Marcel van Hattem (Novo-RS).

Nas últimas semanas muitos destes nomes vêm debatendo a invasão de terras no Brasil, fingindo não haver qualquer ligação entre suas propriedades e a sobreposição a territórios indígenas. Isso reforça o questionamento sobre os verdadeiros interesses dos autodeclarados “representantes do agronegócio”.

Se estivessem atentos ao que realmente pode beneficiar os produtores brasileiros, estariam defendendo políticas públicas que recompensem a maior parte dos produtores, que já entendeu a importância da regularização de terras e do combate a qualquer ameaça à estabilidade do clima, do qual depende a produção.

É preciso considerar ainda que o desrespeito às comunidades tradicionais pode se transformar em perdas na balança comercial. Isso porque elas são reconhecidas internacionalmente como as principais barreiras de contingência ao desmatamento, critério para os acordos de captação de recursos e de exportação.

Há, portanto, uma dissociação entre a atuação destes políticos com as de seus eleitores, deixando claro que nem sempre Brasília legisla em favor de todos e que a Bancada Ruralista está mais empenhada em autorizar práticas que, no final das contas, se voltam contra o setor e maculam a imagem de milhares de trabalhadores honestos e honrados.

Problema institucionalizado

As 1.692 sobreposições em terras indígenas reveladas pelo projeto “Os Invasores”, mostram ainda que a violação dos direitos indígenas vai além dos políticos que atuam em Brasília.

Governador Ratinho Jr posa com cocar durante evento do 19 de abril. Foto: Divulgação

A família do governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), por exemplo, é dona de um mega latifúndio no Acre, que incide nos limites da TI Kaxinawá da Praia do Carapanã, no município de Tarauacá. Conhecida por disputas de terra na região, ela briga por área regularizada desde 2001, incidindo em 13,82 hectares nas terras do povo Huni Kuin.

Três prefeitos e dois vice-prefeitos de municípios do Sudeste e Centro-Oeste integram a lista de fazendas sobrepostas a terras indígenas. Eles se somam a outras dezenas de chefes municipais do Executivo com esse tipo de incidência.

Mato Grosso do Sul, que concentra a maior desigualdade fundiária com 92% das terras agrícolas em mãos privadas, lidera o ranking geral de sobreposições de fazendas em terras indígenas registradas: acumula 630 dos 1.692 casos analisados. O Estado também tem o maior número de políticos envolvidos em disputas territoriais contra povos indígenas.

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