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Conhecidas como voçorocas, erosões ‘vizinhas’ interagem entre si, diz pesquisa

Conhecidas como voçorocas, erosões ‘vizinhas’ interagem entre si, diz pesquisa

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O Mato Grosso não foge à regra do que ocorre em outros estados brasileiros: trabalha para se livrar das chamadas voçorocas, que são crateras gigantes de erosão formadas no solo em áreas rurais. Essa batalha ganhou um aliado recente. Trata-se de recente pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, e da Embrapa, que deve ajudar a prevenir o avanço das crateras e colocar em prática projetos mais eficientes de resgate do solo. Pela primeira vez na literatura científica mundial, um complexo de voçorocas foi analisado e os cientistas confirmaram que algumas erosões interagem entre si, provocando impactos em cadeia.

Embora o trabalho tenha sido realizado em Minas Gerais, os resultados servem de referência para todo o país. “Nós fomos a campo, medimos e coletamos amostras do solo. É uma região geologicamente muito complexa, formada por diferentes tipos de materiais geológicos. Alguns locais são de difícil acesso. Conectadas por cursos d’água, uma voçoroca acaba influenciando na dinâmica de outras”, relata Valéria Guimarães Silvestre Rodrigues, professora da Escola de Engenharia de São Carlos e uma das coordenadoras do estudo.

Ou seja, trabalhar na recuperação de apenas uma voçoroca não estabiliza, na maioria das vezes, o processo erosivo, já que ela pode estar conectada com outras voçorocas. De acordo com a professora, pesquisas já mostraram que crateras recuperadas de forma isolada acabam tendo o processo erosivo retomado.

Com a ajuda de imagens de satélites, drones e sistemas computacionais (fractal e multifractal), os pesquisadores da USP realizaram um estudo histórico e conseguiram observar como o processo erosivo evoluiu com o passar do tempo e compreender a conexão entre as voçorocas localizadas em uma mesma bacia hidrográfica. As transformações ocorridas nos terrenos ao longo dos anos, como as mudanças em sua declividade, além do caminho percorrido pelo fluxo d’água por entre as voçorocas, permitiram aos especialistas atestar que algumas crateras interferiam em outras, gerando novos deslizamentos e impedindo que as afetadas se recuperassem.

Efeitos

Os cientistas também concluíram que grande parte da responsabilidade pelo surgimento de tantas erosões, que não alcançam todo esse tamanho do dia para a noite, é do próprio ser humano.

“Algumas práticas agrícolas, como a monocultura e a pastagem, aumentaram a erosão e reduziram a fertilidade do solo ao longo dos anos. As queimadas também impediram a restituição de matéria orgânica. Além disso, algumas das estradas (não pavimentadas e sem sistemas de drenagem adequados) continuam a ser utilizadas, aumentando o escoamento para os solos mais suscetíveis”, explica Valéria.

As crateras levam embora porções de terras de propriedades rurais e, às vezes, cobrem metade das terras de um agricultor. Além disso, deixam o solo desnutrido e ainda podem atingir bacias hidrográficas. Por causa dos grandes buracos, muitos agricultores acabam precisando vender suas terras desvalorizadas, o que também provoca um impacto social, segundo Silvio Crestana, coorientador e pesquisador da Embrapa Instrumentação, de São Carlos.

Nascente do Araguaia

Em Mato Grosso, o problema é um velho conhecido, especialmente na região da nascente do Rio Araguaia, entre Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Conforme explica o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Marco Gomes, as voçorocas que ameaçam o nascedouro do Araguaia foram provocadas pela agropecuária em solos inadequados, associada ao desmatamento crescente do Cerrado. O solo extremamente arenoso da região é facilmente carregado pelas chuvas. Sem a proteção do verde, escorre com a água que cavouca a terra e dá origem às erosões. “Desmatamento e implantação de pastagens em terrenos inclinados e arenosos são as causas principais do surgimento daquelas voçorocas”, diz.

Para remediar a situação, o governo do Mato Grosso lançou em 2019 o Projeto Juntos pelo Araguaia, que visa recuperar os 2.600 quilômetros de extensão do Araguaia, que passa pelos estados de Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Pará. A Bacia do Araguaia possui extensão de mais de 350 mil quilômetros quadrados.

Do ponto de vista geológico, há várias regiões do País onde os solos ainda estão se formando, em contínua mudança, como na região do Araguaia. Lá é um extremo da chamada Formação Botucatu, com mais ou menos 200 milhões de anos e descendente de antigos desertos.

Fonte: Eduardo Sotto Mayor, da Fontes Comunicação Científica, para a EESC/USP, e eco.