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Brasil tem que oferecer segurança para financiamentos na Amazônia

Brasil tem que oferecer segurança para financiamentos na AmazôniaPainel aconteceu durante a COP27 no Egito. Crédito: Sergio Dutti

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Por André Garcia

Considerando que a maior parte dos governos do mundo está quebrada, a expectativa sobre financiamentos públicos para a economia verde pode colocar uma pedra sobre o orçamento de qualquer projeto ambiental. Para bom entendedor, o recado é claro: a solução para a conservação da Amazônia pode então estar nas mãos da iniciativa privada.

De olho no bioma, governos e multinacionais dos quatro cantos apresentam potencial bilionário de investimentos no Brasil, que, para abocanhar estes recursos, precisa obedecer à lógica básica capitalista, que exige previsibilidade e garantias de rentabilidade para suas apostas.

“Não estou dizendo que não é para ter [investimento público], mas é preciso repensar essa lógica e entender que, talvez, o papel do recurso público seja induzir o investimento privado”, disse o facilitador da Coalização Brasil Clima Florestas e Agricultura, Marcelo Furtado.

Furtado participou da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), em Sharm El-Sheikh, Egito, na quinta-feira, 10/11, em painel que discutiu, junto a governantes brasileiros e representantes de diversas organizações, o papel da sociedade civil na economia verde. O encontro foi realizado pelo Consórcio Amazônia Legal.

Na ocasião ficou claro que, antes de buscar por investimentos em economia verde no bioma, é preciso consolidar um ambiente favorável para que os donos do dinheiro sintam confiança em aplicar seus recursos.

Este caminho se constrói pela união de políticas públicas bem escolhidas, baseadas em quatro pilares fundamentais: o fim do desmatamento, a valorização da floresta em pé, a produção de alimentos e a geração de emprego e renda.

Um desafio cuja solução se encontra na expressão “negócios da natureza”, setor que, segundo Marcelo, movimenta US$ 8.3 trilhões por ano no mundo.  O termo diz respeito, especialmente, ao agronegócio. Primo rico nos debates, ele está em alta na região amazônica e totaliza mais de US$ 4 trilhões em transações anuais globais.

“Será que não podemos influenciar esse mercado para que ele entregue resiliência climática e um sistema positivo para natureza, que gere equidade? Será que esse mercado, tão beneficiado pela natureza, pela água, pela terra e pelos serviços ecossistêmicos, não devia pagar algo sobre isso?” questiona.

Para ele, não é preciso reinventar a roda.

“É fundamental discutirmos os créditos de carbono e os demais mercados da natureza, mas é bom lembrar que estes mercados são nascentes e que já temos mercados gigantescos que estamos simplesmente ignorando”, pontua.

Escuta e governança

Ainda sob a perspectiva da criação de um ambiente favorável aos investimentos estrangeiros, a escuta é apontada como elemento determinante.

“É preciso ouvir o setor privado, a academia, a sociedade civil, os indígenas, os quilombolas e todos que fazem parte do processo de decisão. Cada setor tem suas especificidades, mas precisamos de capacidade de negociação para convergir pontos de vista em comum”, diz Furtado.

Uma vez construídos os acordos, fica mais fácil estabelecer metas e consolidar uma boa proposta. O desafio então avança para a governança. É aí que entra a qualidade de indicadores ambientais relacionados, por exemplo, ao desmatamento e à recuperação de áreas degradadas.

“Tem que ser transparente e contar com números críveis. De um lado prestaremos conta do que está sendo feito com a mobilização de recursos na região. De outro lado, o setor financeiro, ao perceber que há governança e que os indicadores são confiáveis, entende que o Brasil se tornou mais interessante para receber aplicações”, pontua.

Ciclo eleitoral e continuidade

Para desenhar um cenário economicamente viável para o financiamento climático, o Brasil também precisa lidar com uma variável importante: o ciclo eleitoral. Isso porque os projetos executados por uma gestão são frequentemente descontinuados com as trocas de poder. Pensando em segurança e estabilidade, o que pode ser pior que isso?

A título de exemplo, a Costa Rica traz um caso de sucesso. O país começou com seu projeto de serviços ambientais taxando gasolina e uso da água, conseguiu financiar a restauração de suas florestas e hoje é referência mundial. A política surgiu após a constatação de altíssimas taxas de desmatamento na década de 80.

“Na Costa Rica os ciclos eleitorais não estão relacionados aos ciclos climáticos e de investimento social. Desde o início desta política já houve quatro ou cinco trocas de governo, sem descontinuidade. A razão para isso é que a sociedade abraçou esse projeto”, explica Marcelo.

O bem-sucedido modelo costarriquenho rendeu US$ 20 milhões para a conservação ambiental na última conferência sobre mudanças climáticas (COP26). O dinheiro vem da Coalizão Leaf, uma parceria entre os governos dos Estados Unidos, Reino Unido e Noruega, juntamente com empresas como Amazon, Nestlé, BlackRock e Walmart.

“O desafio em relação à Amazônia é que a sociedade brasileira tem que abraçar esse projeto. Os governos vão mudar, mas o que importa é que recebam a mesma mensagem, de que o que se quer é a positividade climática, equidade, geração de emprego e renda e alimentos, mantendo a floresta em pé.”

Produto Amazônico

Os benefícios desta mudança se estendem aos países da Bacia Amazônica.

“Temos que olhar [para a floresta] não só como um produto brasileiro, mas como um produto Amazônico, porque muitos desafios são comuns aos nossos vizinhos. Não adianta só salvar a Amazônia brasileira e deixar o resto embora.”

Durante o painel,  a diretora do programa de Clima da unidade brasileira da World Resources Institute (WRI), apontou que a construção desta visão global sobre o bioma passa, inevitavelmente, pelo desenvolvimento sustentável.

“Tem 28 milhões de pessoas morando lá, tem indústria, agro, cultura, tecnologias de inovação e tecnologias sociais. Isso tudo precisa ser traduzido para o público internacional”, diz.

Ou seja, a possibilidade de lucrar com a floresta existe e é pujante. Do ponto de vista de investidores e de mecanismos financeiros é importante então que o Brasil tenha, nas palavras dos especialistas, ambição, generosidade e criatividade para pegar o que já tem nas mãos e fazer a transformação.

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