HomeEcologiaEconomia

COP27: Simples e barata, regeneração natural deve estar no topo das prioridades

COP27: Simples e barata, regeneração natural deve estar no topo das prioridadesA técnica comprova resultados em florestas secundárias. Crédito: Embrapa

Desmatamento no Cerrado cresce 203% em outubro
Soja avança na Amazônia, mas Cerrado ainda lidera área plantada no País
Senado aprova PL que acaba com presunção de boa-fé no comércio de ouro

Por André Garcia

Recuperar menos que 50 milhões de hectares de florestas nativas no Brasil não trará contribuição significativa no combate ao aquecimento global. Para que o país alcance esse patamar nas próximas décadas, uma solução boa e barata foi apontada durante a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27).

Acessível, a regeneração natural ainda é menos complexa e está livre de demandas de mercado, se comparada à recuperação florestal. As técnicas são complementares e foram abordadas no sábado 12/11 no painel do Brazil Climate Hub “Restauração é um bom negócio: cases reais e impactos socioeconômicos”, em Sharm El-Sheikh, Egito.

No caso da primeira, a regeneração natural, a base do debate são as florestas secundárias, aquelas onde a vegetação se recuperou naturalmente após corte raso.

“É impressionante como a floresta secundária cresce. Mesmo com a seca mais longa, ela está crescendo no sul da Amazônia, nas áreas onde a pecuária abandonou pastagens degradadas”, disse um dos mais influentes nomes da área, professor Carlos Nobre, ao explicar que dos 830 mil km² trabalhados por este método na Amazônia brasileira desde a década de 70, cerca de 20% já foi regenerado.

O milagre, segundo o professor, se deve a uma evolução ecológica de dezenas de milhares de anos.

“Quando se tinha um El Niño super forte, uma vez a cada 100 anos, que causava uma intensa seca na Amazônia, podia ter um fogo que queimava 20 mil km e a floresta secundária se recompunha.”

Vale ressaltar que, a partir da regeneração, é possível reduzir a temperatura no bioma e alimentar os chamados rios voadores, que transportam água para outras regiões do Brasil.

“Com isso, a água começa a ser reciclada, aumenta o vapor e alimenta o sistema de chuva, o que vai abaixar a temperatura e aumentar a chuva durante a estação.”

O cenário

Segundo Nobre, a recuperação de 50 milhões de hectares na Amazônia reduziria a emissão de 500 milhões de toneladas de carbono da atmosfera por ano. Considerando os 141 milhões de hectares de áreas degradadas incapazes de desempenhar papel ecológico ou gerar renda no país como um todo, o trabalho deveria ser fácil.

Mas não é bem assim. De acordo com o diretor de Florestas e Políticas Públicas da BVRio, Beto Mesquita, apenas para cumprir com o Código Florestal, o Brasil precisa restaurar 21 milhões de hectares só em áreas de preservação permanente (APPs) e reservas legais.

Hoje, somando todas as iniciativas, o número não chega a 15 mil hectares na Amazônia. Contabilizando ainda o trabalho realizado na Mata Atlântica, no Cerrado e em outros biomas, o valor não passa de um milhão de hectare no processo.

Larga escala 

Para mudar o cenário, a principal aposta é a recuperação florestal em larga escala, fortalecida por áreas de regeneração natural, que não devem ser confundidas com áreas simplesmente abandonadas. Isso porque estes espaços contam com metodologia de restauração, com monitoramento e acompanhamento.

“Muito se fala que essa é a década da restauração. Do ponto de vista da visibilidade, de parceiros, de ativos, recursos e investidores é uma tremenda oportunidade de fazer, na década de 2020 a 2030, a virada de chave na escala, isso em termos de qualidade e de resultados de impacto”, avaliou Beto.

Para que isso ocorra, há uma série de desafios a serem encarados, como a falta de dados e de regularização ambiental e fundiária, ações que dependem da consolidação de políticas do governo. Diante disso, a expectativa unânime entre os debatedores é que o trabalho seja facilitado após as eleições presidenciais deste ano.

“A função do poder público, mais do que criar políticas públicas, é implementá-las efetivamente, usando seu poder de controle, mas também usando o seu poder de atração de investimentos associado à sua capacidade de propor e implementar políticas”, avaliou.

Ponto de não retorno

Todas essas soluções convergem para o alerta de Nobre. Durante o encontro, ele lembrou que todo o sul da Amazônia, uma extensão de mais de dois milhões de km² entre o Atlântico até a Bolívia, está próximo do ponto de não retorno.

Traduzida do inglês “tipping point”, a expressão significa que um determinado limite, quando alcançado, não mais permite o retorno ao estado anterior.

A preocupação aumenta diante do cenário já registrado em alguns pontos do bioma.

“A estação seca se tornou até cinco semanas mais longa do que há 40 anos, registrando de 2 a 3 graus a mais no termômetro e com umidade de 20 a 30% mais baixa.”

Para se ter uma ideia da gravidade do termo aplicado ao contexto amazônico, isso significa que, ultrapassado um limite de degradação, a floresta além de não se recuperar, passará a se auto-degradar. “Neste ponto, a floresta começa a perder mais carbono do que remover, não por conta do desmatamento, mas por si mesma.”

De acordo com Nobre, da Bolívia até o Amapá, passando pela Guiana Francesa, houve aumento da mortalidade de espécies do clima úmido. “Essas espécies, que existem no cerrado, na grande Savana e na Amazônia não são adaptadas à estação seca.”

Assim, sem uma mudança drástica no cenário, o aumento de 1,5 º na temperatura do planeta, previsto para os próximos 30 a 50 anos, saltará para, no mínimo, 2,4°.

LEIA MAIS: 

COP-27: Agro tem vantagem econômica nas mãos se trilhar caminho da recuperação florestal

COP27: Exemplo de MT reforça viabilidade da restauração florestal

COP27: Enquanto guardiões da floresta, indígenas e quilombolas demandam compensação

COP 27: Desmate pode reduzir 1/3 da vazão das águas dos rios do Cerrado

COP27: Brasil e mais dois países querem criar “OPEP das Florestas”

Brasil tem que oferecer segurança para financiamentos na Amazônia