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Solo resiliente é a arma para enfrentar mudanças climáticas

Solo resiliente é a arma para enfrentar mudanças climáticasO plantio direto é uma das práticas do manejo sustentável. Foto: Secom-MT

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Por Rodrigo Malafaia

As mudanças climáticas preocupam produtores agrícolas do Brasil e do mundo frente a cenários com secas prolongadas, degradação do solo e chuvas torrenciais. Segundo dados da Conab de 2021, o agro brasileiro pode perder até 41 milhões de toneladas de grãos até o final de 2022 por conta das intempéries naturais. Dados, ainda mais agressivos, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) projetam cerca de R$ 3,6 trilhões em perdas até 2050.

Para o pesquisador da Embrapa Cornélio Zolin, em uma briga por recursos e com cenários de mudanças climáticas cada vez mais dramáticos, o produtor brasileiro precisa olhar o solo como principal ativo da agricultura. “É nele que eu tenho que trabalhar, aplicar as tecnologias para deixar esse sistema mais resiliente e, em havendo uma condição crítica, poder passar por ela com a menor perda possível”.

Em entrevista exclusiva ao Gigante 163, Zolin aborda várias estratégicas que se tem à disposição para tentar reduzir os impactos de eventos climáticos extremos cada vez mais comuns no Brasil e no mundo. Confira.

Com relação aos extremos climáticos, seja seca ou inundações, o que o agronegócio brasileiro tem feito para lidar com os extremos climáticos?

Em relação à questão dos extremos climáticos que, ao que tudo indica, estão cada vez mais frequentes, nós temos na realidade uma gama de estratégias para serem empregadas de modo a reduzir os impactos desses eventos [enchentes e secas]. Nós podemos começar citando o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), que orienta os produtores sobre o melhor período de plantio, de modo a evitar que eventos climáticos adversos tais como esses que você mencionou, a falta de chuva, a chuva em excesso ou a seca, ocorram justamente nos períodos mais críticos da cultura.

Trago um exemplo, com uma cultura que no Mato Grosso é o carro-chefe: a soja tem momentos muito importantes para que ela tenha disponibilidade de água no solo para poder germinar. Em alguns momentos importantes também, como o florescimento e enchimento de grãos, nós precisamos ter água disponível para essa cultura, do contrário, ela vai sofrer pela falta de água, ocasionando impactos econômicos importantes pela redução da produtividade.

Nesse caso, se orienta minimizar o risco, isso não significa que ele não possa ocorrer, uma situação adversa sempre pode ocorrer e ela ocorrendo você tenta estratégias, mecanismos de construção de um perfil de solo de manutenção: da Palhada, favorecimento da infiltração, armazenamento de água no solo, etc. Com isso você tem um sistema mais resiliente e mais propício a enfrentar esses extremos que nós acabamos de comentar.

Qual a importância do manejo sustentável para que os produtores consigam produzir cada vez mais? 

A produção de soja tem batido recordes por alguns motivos, dentre eles, uma situação climática favorável às tecnologias que vêm cada vez mais melhorando, dando condições para uma boa produção, para um melhor desempenho da cultura. A produção total tem aumentado a área produtiva, mas, se você for comparar a quantidade de novas áreas com soja, elas são relativamente pequenas. Não quer dizer que o desmatamento é pequeno, quero dizer que há mais produção na mesma área. O produtor está conseguindo produzir mais na mesma área e isso é um fato que determina o recorde.

O aumento de produtividade da mesma área ocorre devido às tecnologias que vão sendo agregadas, elas favorecem muito com relação à perda de áreas, seja por um processo de degradação natural ou induzido. Nesse caso, seria uma perda induzida em função das mudanças climáticas, do mau uso do solo e da falta de manejo. Nesse caso, posso afirmar que o uso de tecnologias conservacionistas, que melhoram as condições do perfil físico-químico do solo, é determinante para o sucesso da agricultura e para sua maior resiliência.

Quando [o solo] tem uma maior concentração de matéria orgânica, ele naturalmente favorece o armazenamento de água, a retenção dos nutrientes e favorece as condições para o bom desenvolvimento da agricultura, garantindo uma boa produção. Esse sistema será mais resiliente a eventos climáticos adversos, como a seca de veraneio,  comparativamente com o sistema onde você não tem nenhum tipo de manejo conservacionista.

Qual a diferença em relação ao manejo convencional?

O manejo convencional não constrói um perfil físico-químico adequado e favorece processos erosivos. Quando a chuva leva esse solo embora, ela leva também a matéria orgânica, os nutrientes, empobrece o solo e essa estratégia [manejo convencional], sem dúvida nenhuma é muito deletéria frente a cenários [climáticos] mais adversos, tornando esse solo improdutivo.

Uma agricultura de forma inteligente, que favorece as condições do solo e visualiza o processo em médio e longo prazo, é fundamental para a longevidade do processo produtivo. É possível e necessária a busca pela melhoria dos sistemas produtivos, cada vez mais conservando água, conservando o solo e buscando por tecnologias de Baixo Carbono, de verticalização e diversificação da produção. É importante criar um sistema mais resiliente, mais sustentável, mais diversificado e menos suscetível às intempéries climáticas.

Como o produtor pode contornar os efeitos das mudanças climáticas em suas propriedades?

A gente pode comparar a agricultura com uma indústria. Será aberto um processo produtivo, e nós temos vários fatores que nós controlamos, como por exemplo, qual manejo do solo vamos adotar, qual a tecnologia das sementes que nós vamos plantar, quais outras tecnologias queremos investir, etc. Tudo isso nós conseguimos, de certa forma, controlar com certa precisão. Agora, existe um fator que nós não controlamos, que é o clima.

E o que nós podemos fazer?  O que nós fazemos é estudar, entender e compreender essa dinâmica climática, os períodos chuvosos, os períodos de falta de chuva, etc. São nesses momentos que podemos usar as tecnologias que nós temos, como a modelagem de estatística, para orientar de maneira muito simples e direta o produtor rural com o ZARC.

Nesse sentido, como expliquei antes, é necessário realizar o ZARC, para garantir que o empreendimento não correrá riscos de intempéries. Caso, mesmo assim, ocorra um evento crítico, é preciso preparar o sistema produtivo e aí existem várias tecnologias de manejo de solos, como a palhada e tecnologias de conservação, como a produção verticalizada, para deixar esse ambiente mais resiliente.

O nosso substrato mais importante é o solo, eu não consigo produzir sem solo, eu não consigo plantar sem solo. Então a gente precisa olhar o solo como principal ativo da agricultura, e é nele que eu tenho que trabalhar, aplicar as tecnologias para deixar esse sistema mais resiliente e, em havendo uma condição crítica, poder passar por ela com a menor perda possível.

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