Por André Garcia
Enquanto o debate sobre conservação ainda patina entre alguns setores, uma leva de produtores rurais já executa mudanças profundas no agronegócio brasileiro. Nesta quinta-feira, 5/6, quando se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente, o Gigante 163 traz exemplos de como a gestão ambiental vem sendo transformada em lucro por meio da regeneração, cruzamento de gado superprecoces e sequestro de carbono.
É o caso da Produzindo Certo, empresa de inteligência socioambiental que ultrapassou neste ano a marca de 10 mil fazendas cadastradas em sua plataforma. Com 8,5 milhões de hectares monitorados, o sistema oferece diagnósticos completos, visitas técnicas e planos de ação estruturados. A proposta é simples: organizar a gestão ambiental e abrir caminhos para o produtor acessar mercados mais exigentes.
“Os negócios giram em torno da viabilidade econômica, e com o produtor rural não é diferente: ele toma decisões com base em retorno, custo-benefício e previsibilidade. Se há uma vantagem clara, como acesso a prêmio por produção sustentável, melhores condições de venda ou crédito com taxas diferenciadas, a adesão às boas práticas acontece com muito mais rapidez”, disse à reportagem a CEO da empresa, Aline Locks.
Diante disso, a agricultura regenerativa vem ganhando espaço entre produtores que buscam unir eficiência, conservação ambiental e acesso a novos mercados. A rotação de culturas, plantio direto, pasto bem manejado e cobertura vegetal contínua tem permitido reduzir o uso de insumos, aumentar a produtividade e abrir caminho para o sequestro de carbono no solo.
Capitalizar boas práticas é possível
Com o avanço dessas práticas, também cresce o interesse por modelos de crédito de carbono. Um estudo recente da Boston Consulting Group mostra que, só no Cerrado, a regeneração de 32,3 milhões de hectares poderia reduzir até 140 milhões de toneladas de CO₂ equivalente (MtCO₂e) até 2040. O valor total gerado com créditos de carbono poderia atingir cerca de US$ 2,1 bilhões no período.
O pecuarista Luis Fernando Laranja, da Frente Empresarial para Agricultura Regenerativa (FERA), já viu a produção aumentar em até 10x por meio da estratégia e agora explora também estas oportunidades. Ele afirma que há três formas principais de gerar créditos em propriedades rurais. A primeira, já consolidada, envolve o plantio de árvores e a captura de carbono acima do solo.
“A segunda, mais técnica, é o sequestro de carbono no solo por meio do aumento de matéria orgânica. A terceira possibilidade é a pegada de carbono da carne. Um boi criado de forma convencional emite cerca de 45 kg de CO₂ equivalente por quilo de carcaça. No modelo mais intensivo, esse número pode cair para 25 ou até 20 kg. Essa diferença deveria gerar crédito de carbono”, explica.
O modelo, que ainda está em fase de validação com apoio técnico do Imaflora, já é testado por Laranja em suas fazendas. Para ele, a sustentabilidade precisa ser construída com estratégia e consistência. “O produtor tem que entender o que está fazendo e monitorar os resultados. O payback é positivo, mas pode levar até cinco anos. É preciso ter fôlego para a transição”, completa.
Genética de precisão
Outro eixo dessa transformação é o uso da genética como ferramenta ambiental. Na Genética Conquista, em Mato Grosso, a reprodução de superprecoces vem encurtando o ciclo produtivo e reduzindo a pegada de carbono por quilo de carne produzida. Bezerras de seis meses já são aspiradas, e garrotes com um ano produzem sêmen para fertilização in vitro, tudo baseado em dados genômicos e fenotípicos.
“A gente não está brincando de fazer bezerro bonito. A gente seleciona para performance real, com base em dados objetivos. Cada animal produzido é uma central de eficiência ambulante”, afirma o criador Fábio Mello.
Com apoio de três programas de melhoramento genético, a fazenda tornou possível antecipar o acasalamento, multiplicar indivíduos superiores com mais rapidez e melhorar os índices produtivos. Isso significa mais carne em menos tempo, menor uso de insumos e menos emissões por cabeça — uma equação onde produtividade e sustentabilidade caminham juntas.
Falta reconhecimento
Apesar dos avanços registrados nas fazendas, o reconhecimento institucional ainda não acompanha o ritmo do campo. Aline destaca por exemplo que muitos estados não concluíram os Programas de Regularização Ambiental (PRAs), e produtores seguem no limbo regulatório, aguardando validação do CAR mesmo já adotando práticas de conservação. Na prática, o campo avança mais rápido que o sistema.
Para a CEO, o mercado nacional ainda está amadurecendo nessas discussões. As grandes exportadoras e multinacionais já operam com metas claras de sustentabilidade, mas parte do mercado interno ainda olha mais para o preço do que para a origem.
“Por outro lado, vemos sinais de mudança: consumidores mais atentos, redes varejistas começando a exigir conformidade, e bancos ajustando critérios para concessão de crédito. A transição está em curso. O que falta é mais escala, mais informação e mecanismos econômicos que tornem o “produzir certo” uma vantagem competitiva real para quem está no campo”, conclui.
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