Por André Garcia
Mais do que a lei ou a fiscalização, o que move o agro em direção à sustentabilidade é o mercado. Nesta terceira reportagem da série especial da Semana do Meio Ambiente, celebrado no dia 5/6, o Gigante 163 mostra como a adoção de boas práticas socioambientais cresce no País, impulsionada por exigências de rastreabilidade, oferta de crédito e preferência comercial.
É o que reforça Aline Locks, CEO da Produzindo Certo, que ao lado de empresas como a Bayer, BRF, Agrivalle, GAPES e Milhão Ingredients, é responsável pela Reg.IA, primeiro Consórcio de Agricultura Regenerativa da América Latina.
“Quando o mercado passa a valorizar cadeias livres de desmatamento, com rastreabilidade e conformidade socioambiental, os produtores respondem. A lógica da demanda está virando a chave, e o campo está pronto para entregar. O que antes era visto como custo, hoje é percebido como oportunidade”, disse à reportagem.

Aline Locks destaca que produtor que conserva deve ser reconhecido e não punido. Foto: Reprodução/Produzindo Certo
De acordo com ela, programas como o Reg.IA, voltado à agricultura regenerativa, e certificações como a RTRS têm atraído produtores que sabem que há um comprador do outro lado disposto a pagar pela produção diferenciada. Ou seja, sem esse interesse, dificilmente haveria mobilização.
No caso da Reg.IA, a soja produzida sob o protocolo do consórcio será adquirida pela BRF, que vai repassar aos produtores um prêmio mínimo de 2% sobre o valor da saca, quantia que será paga de forma separada, para que os agricultores tenham a percepção do recurso extra recebido.
“Se há uma vantagem clara, como acesso a prêmio por produção sustentável, melhores condições de venda ou crédito com taxas diferenciadas, a adesão às boas práticas acontece com muito mais rapidez”, acrescenta Aline.
Mercado mais exigente, agro mais competitivo
Para o produtor de gado Luis Fernando Laranja, da Frente Empresarial Para Regeneração da Agricultura (FERA), práticas de rastreabilidade e sustentabilidade, representam a inclusão em mercados mais exigentes. Ele analisa que os critérios ambientais para importação de produtos do agro já adotados pela União Europeia tendem a se expandir também para países como China, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
“Muitos produtores ainda veem esse posicionamento da Europa como um fato isolado, de um grupo de países muito rígido na agenda ambiental, que ainda não representa volume de comércio relevante com o Brasil. Eu discordo, porque o mercado europeu é o primeiro a subir a barra dos critérios ambientais.”
Neste cenário, os produtores que investirem agora em práticas regenerativas terão vantagem competitiva nos próximos anos, seja pela priorização de seus produtos na hora da venda ou pelo bônus de preço atribuído aos produtos de origem sustentável.
“O mercado chinês passará a ser mais seletivo na compra dos produtos, da mesma maneira que os árabes e os outros países. Portanto, quem tiver modelos sustentáveis vai lucrar ou com o sobrepreço do produto ou pela preferência na venda”, avaliou.
Luis Fernando Laranja acredita que quem tiver modelos sustentáveis vai lucrar . Foto: Arquivo Pessoal
Incentivo é o motor da mudança
Para Aline, as exigências atuais do mercado ultrapassam a legalidade e afetam diretamente o dia a dia do produtor, que precisa investir em melhorias operacionais, organizar documentação e adotar práticas de manejo sustentável. Por isso, ela defende que o processo seja acompanhado por suporte técnico e segurança comercial.
“Para que essa transformação aconteça de forma consistente e duradoura, é fundamental oferecer também suporte técnico de qualidade e garantir segurança de mercado. O produtor precisa entender o que fazer, como fazer e ter confiança de que haverá demanda por aquilo que está sendo exigido.”
Mesmo com entraves como a lentidão na regularização ambiental, muitos seguem investindo em ações voluntárias, como restauração de áreas e conservação ativa.
“O produtor que cuida da reserva legal, mantém APPs, investe em adequação ambiental, precisa ser reconhecido como parte da solução. Vemos produtores fazendo muito com poucos recursos, muitas vezes por compromisso pessoal. Esse esforço precisa ser recompensado com acesso a crédito, premiações de mercado, preferência em contratos e redução de riscos reputacionais para quem compra”, conclui a CEO.
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